Foto de: Pedro Olivença
Acordo com a claridade cinza de um dia choroso. Tento enganar o acordar cerrando os olhos e, às apalpadelas, fecho a cortina da janela de sótão. Mergulho na cama, soco as almofadas, crio um nicho para a minha cabeça, mantenho os cabelos na cara, enrolo-me nos lençóis e, finalmente, dou folga às pálpebras.
Não me apetece dizer bom dia ao mundo. Que se danem todos... chau. Não me incomodem!
Dou voltas e mais voltas, pretendo deletar os caóticos pensamentos que recusam dormir e, contrafeita, desisto quando os pés, por auto-iniciativa, enrolam os lençóis, projectando-os com força para o fundo da cama.
Abro os olhos. A claridade da casa-de-banho chama-me através dos vidros que a separam do meu quarto. Imagino-me curvada sob o lavatório, lavando os dentes, espreitando sorrateira a minha figura amarfanhada, desgrenhada e olherenta, resistindo ao imenso espelho que sorri vitorioso.
Primeiro pensamento do dia: Será que a alma tem rugas?