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15 agosto 2006

Aluga-se Alma

Foto de: Bia





Apetece-me telefonar a todos os amigos, dizer-lhes que de novo estou sozinha, que não tenho jeito para me relacionar. Explicar-lhes, sem me queixar, que estou em ressaca de dor, q.b., que nem sei o que dói e que me estou pouco lixando se a dor teima em ficar. Vou domando-a, não lhe permito que suba mais alto que os meus sonhos, os miseráveis sonhos que, sendo meus, são lindos, mas não os sei explicar e eles teimam em não se realizar.

Dizer-lhes que não sei muito bem por que choro. Se pelo silêncio do que não precisava ser dito, se pela solidão de estar mesmo só, se pelo que não tive e nem mesmo sei o que era.

Contar-lhes que o meu choro é manso, mais parece uma tabuleta onde a água das chuvas e o Sol se encarregaram de apagar os seus dizeres e que desaparecerá com o tempo, apodrecida, sem ser notada.

Entrar em conversas filosóficas sobre o amor, as relações a dois, a vida, a felicidade, essas malditas coisas tão relativas, fasquias sempre deslocadas. Entre copos rir saudades de tocares de mãos e de supostos olhares cúmplices, entre fumos de cigarros deixar o riso e lembrar que me desconheço.

Dizer-lhes que a ferida foi feita por mim, por não saber adaptar-me, que as peças do puzzle mais uma vez estavam erradas e que os cortes feitos não as transformaram em verdadeiras. Explicar-lhes os defeitos que me sobram, como deixo de ser dócil se me sinto magoada, que entre o esclarecer e o explicar se perde tanta coisa que as palavras deixam de fazer sentido, se acumulam amarfanhadas, inúteis que são do inexplicável.

Falar-lhes para me ouvir, me discutir, me saber, me descobrir, me espantar.

Desatar a correr, levando o choro para longe… agora não, agora não, agora não… subir o montanhoso sufoco, deitar-me no seu topo e expulsar a dor aos gritos, com raiva, deixar o desespero sair devagarinho, com medo de o acordar.

Colocar às costas a mochila da descoberta, agarrar a minha alma que, entre ralhos e festinhas, teima disparatar críticas e falsos avisos.

Apetece-me telefonar a todos os amigos, mas não o faço, porque nada há a dizer.