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31 outubro 2006

Revoltinha




Foto: Minha autoria





Num país em que vivemos sem saber como nem por quanto tempo, urge pensarmos no nosso umbigo através do dos outros. Mãos limpas e consciência ainda mais alva cometem-se atrocidades sem que a legislação se adeqúe. Não existe punição à cobardia e ao egoísmo e as almofadas fofas amparam cérebros com casca em caspa.

Em vão se torna o demorado pedido de explicação, ganha a cadeira do topo, que não se parte por ser tão mole (ensinamentos do passado). Revertem-se os dogmas, afiam-se os provérbios e da miscelânea sai o Chico esperto, que de esperto nada tem.

Mais tarde ou mais cedo todos caem, mas antes levam os inocentes que, de tanto se não defenderem, passam a culpados.

Por aqui eu, inocente culpada que gosto mesmo é de música e letras e amizades e vidas simples e que, de tanto gostar, me reduzo a inutilidades e vazia de tudo me torno, esgoto o pensamento em irremediáveis situações e puno-me de incapacidades.
É que nem a voz me sai.

Mas a minha estrelinha ainda brilha, o meu mar ruge em espuma inofensiva e a minha noite rompe-se em silêncios cheios de cumplicidade. O radioso amanhã virá, como tudo o que é bom faz-se esperar, mas virá…

Até lá treinarei o meu grito.

26 outubro 2006

A Dança




A noite faz-se lenta ao lado da presença masculina, seu amado.

Recosta-se no banco e pensa como é bom deixar-se ir assim, sem saber para onde, ao sabor das suas ideias, das suas surpresas. Precisa daquele sossego, do clima amoroso que respira deliciada, do seu querer, do seu desejo.

O carro segue em pequenos ziguezagues evitando as desagradáveis lombas que se encontram interrompidas aqui e além, até que pára, meio encavalitado, no passeio. Adivinha o que irá suceder e ainda assim o seu riso explode de satisfação ao ver a figura dele do lado de fora, a abrir-lhe a porta, enquanto lhe estende a mão desocupada. Sai saltitando e aceita o enlace do seu corpo. A música estende-se até eles e dançam-na, num aperto suave. Mal a inocente dança termina, apoia a cabeça no seu peito e aperta-se carinhosamente contra ele, em agradecimento de tanta felicidade.

Ambos, no silêncio do afago, nas perguntas de promessa, no desespero de certezas do infindo, no amor possível e diferente, não querem deixar de se surpreender. As noites sarapintadas de brilhantes estrelas e a chuva, permitida por entre alegres e fugidas corridas, serão cúmplices eternas daquele sentimento lindo, de juras desnecessárias, nunca pronunciadas.

Os dedos em ternura descem pelo rosto dele, interrompidos pela doçura do seu olhar. Suavemente, em bicos de pés, beija-o e é beijada. Em rodopio se vê, levantada pelos braços fortes do seu amado e ri criança que se sente.

Dentro do carro, de corações exaltados, relatam-se em felicidade de amantes, numa viagem onde já nenhum dos dois imagina qual o destino.

22 outubro 2006

Um Dia Destes "Não Choverá"

Foto: Minha autoria



Acabo de deixar o meu filho no seu emprego. Volto devagar, penso na sua vida e o medo avoluma-se.

A chuva bate no pára-brisas e o vento abana a carroçaria. Não ligo a música, não quero sons que não o da chuva e do vento. Apetece-me viajar sem rumo, mas o carro segue os trilhos conhecidos de regresso a casa. Percebo que a ela me dirijo e nela ficarei a maior parte desta tarde em mau tempo.

Penso nas amizades que tenho… não quero estar com alguém e, no entanto, imagino que as minhas palavras terão eco algures, mas onde? Não gosto de maçar, não gosto de desabafar, não gosto de estorvar, não gosto de pedir…. Tanta coisa que não gosto de transmitir aos outros, com medo de me acharem chata, com medo de os ver afastar enfadados, com medo de os entristecer, com medo de os incomodar… Sei que um amigo aguenta, mas eu gosto de estar com eles de uma forma diferente e, por isso, à pergunta que me fazem de “tudo bem?”, eu respondo “sim!”, quando a minha alma, em dor de “não!” se debate. “Tudo bem!”, quando a minha voz se cala em desordem por não gritar “tudo mal!”.

Sei que ninguém resolverá os meus problemas para quê então transmiti-los?

Pelo caminho dou passagem a um outro qualquer e vejo a sua mão erguida em agradecimento. Levanto a minha também. Acabámos de comunicar. Fragilizo-me toda. “Hei! Tou mal, sabes?, Queres falar um pouco? Queres fazer-me sorrir? Queres ir beber um copo, fumar um cigarro? Ser um amigo? Abraçar-me o sono em festas pelos cabelos enquanto sussurras “-Chiuuuu tudo bem…. Está tudo bem!” Queres? Só para adormecer em sorriso, pode ser? Preciso tanto sorrir! Necessito tanto que alguém me ampare e sossegue o sono…”

O carro dele afasta-se veloz, já não o vejo, já não o lembro. Olho a serra que mal se esconde nas nuvens e imagino o riso da subida. Amiga minha, querida do meu coração, reza por mim e dá-me forças… foste sempre tão corajosa. Que falta me fazes. Estás bem?

A chuva e o vento fustigam-me as emoções que derrapam pelo meu rosto. Quando subirei de novo a serra na tua companhia? Quando nos deitaremos outra vez nas enormes pedras que espreitam o arvoredo em baixo? Quando falaremos em riso desenfreado? Quando? Amiga… querida amiga... lá do Céu, se tiveres um pouquinho de tempo, olha por mim. Ando um pouquinho perdida e já não rio com tanta facilidade, mas lembro-me de ti e continuo a amar-te. Que saudades tenho de ti, que saudades tenho dos nossos sonhos.

O meu filho sairá depois das 22h. A ele volta o meu pensamento a ele regressam os meus cuidados. Um dia o meu sorriso será verdadeiramente largo, quando no seu rosto querido um verdadeiro sorriso se fizer sentir.

09 outubro 2006

Pensamentos

Foto: de minha autoria




Viu-se encostada a uma ombreira, depois sentada no chão, por último a tentar localizar-se no espaço sideral. Olhou o teto da cozinha onde uma pequena aranha se deslocava. Sorriu. Noutros tempos o aspirador teria entrado em acção. Naquele momento… nem um sintoma de taquicardia se fez sentir, nem um gritinho abafado de “ai meu Deus, meu Deus”.

A música que colocara não fazia efeito e os picos de auto estima tocavam-se nos extremos.

O processo estava a ser doloroso. A capacidade de auto análise foi testada até às últimas e nem mesmo assim conseguiu perceber o que sentia, muito menos o que fazer.

Os meandros neurónicos eram mais que muitos e as sinapses nem sempre estabeleciam ligações racionais, faziam lembrar a confusão da bolsa num dia de crash.

Colocou o rosto entre as mãos. Tentou chorar… nada. Um vazio invadiu-a provocando-lhe náuseas. Lembrou-se da miséria, das inúmeras desgraças mundiais, do ouro do Vaticano, da ONU, dos EUA, do seu quintalinho… nada.

Olhou os ténis All Star que calçava e que tanto gostava e indagou-se se teriam sido made in Indonésia ou made in China. Para que dar-se ao trabalho de verificar se já os tinha calçados? Uma certeza chegou… rápida… a felicidade é feita de esquecimentos e de ignorâncias.

Levantou-se do chão da cozinha e barrou uma fatia de pão com doce de tomate. “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”… que raio, como terá conseguido Lavoisier dissociar os pensamentos da massa das matérias? Os átomos do pensamento não seriam matéria? Só porque impossíveis de pesar? Ora, tenham dó...

Sentou-se de novo no chão junto da bancada da cozinha e trincou de forma mecânica o pão. A música misturou-se ao sabor do doce. Comeu tudinho tudinho, excepto a misturada de pensamentos. Tal como a aranha… ficaria para depois ou talvez não.

A custo levantou-se, abriu a porta do quintal e saiu para a noite. As suas estrelinhas e a Lua aguardavam-na.

06 outubro 2006

O Amor É Lindo!


Toca o despertador do lado esquerdo. Enquanto se esconde por baixo dos lençóis, uma das mãos tateia até encontrar o milagroso botão que cala por mais sete minutos a música do despertar e, de novo, adormece. Acorda com o ressonar do seu amado. É um ressonar profundo, intervalado de pequenas saídas de ar que lhe atinge o lóbulo da orelha arrepiando-a.

Antes dos desejados 7 minutos de sono, toca o despertador do lado direito, aquele que não lhe pertence... esse mesmo, o do seu amor querido e lindo. O que toca de forma estridente, o embirrante que várias vezes lhe fez nascer instintos de destruição – quantas vezes imaginou martelos, fisgas, até pistolas a dar cabo dele... do despertador, não do seu querido e lindo amor. Por falar dele... não acordou, não fez resvalar a sua linda mão até ao miserável, não o parou.

Ainda debaixo dos lençóis remexe-se. A sua perna toca a do companheiro.
“- Amor... quido... tá na hora...”.

Lindos grunhidos ouvem-se.

“- Eu sei! Tenho despertador... só mais uns minutinhos.” - e trava o despertador.

Agarra-se ao torpor do sono, e consegue, quer dizer... ele consegue... adormecer.

Toca de novo o do lado esquerdo. Raciocínio rápido tem 7... não, 3,5 minutos até o dele tocar... grrrrr.

Na relação do casal o egoísmo não tem lugar e a preocupação pelo outro está sempre presente...

“- Amooooor já tocou umas dez vezes... Não estás atrasado?”.

“- Não! E tu?”

"- Claro que estou" - pensa, mas... só mais uns minutinhos. E lá vai tateando tudo o que se encontra na mesa de cabeceira, até encontrar o despertador.

As mãos agarram firmemente o lençol e o edredão que ele graciosamente levou consigo nas vezes em que rodou para o lado direito. Puxa com força e... nada. O frio espalha-se rapidamente e, geladinha, desiste!

Arrasta-se até à casa-de-banho.

“- Onde vais amor?”.

Estaca, incrédula. "- Vou até ao bailarico da esquina" - pensa dizer e ao invés disso:

“- Tá na hora fofito. Vou tomar banhito.”

“- Acorda-me a seguir, amor. Tá?” – diz ele já a dormir.

“- Tá amorzito.” – responde ela. Grrrrr, mas para que raio quer ele o despertador?

Ao chegar à fria divisão dos reparos físicos, olha no espelho a imagem disforme e de pele amarrotada. Tenta compor os cabelos que teimam em ficar desgrenhados, estala os ossos que ainda dormem e arrepiada coloca um dedinho na água que corre do chuveiro, até que esta aqueça e a ajude a entrar aos poucos no mundo das lavagens matinais. O cérebro ainda está embrotecido e as ideias misturam-se entre o que fez no dia anterior e o que fará após o pequeno almoço.

Pequeno almoço.... hummm, torradinhas e leitinho com café, ao som da música suave, pequeno almoço que ele lhe fará com carinho... hummm, que bom. Esboça o seu primeiro sorriso da manhã.

O relógio acusa o atraso, obrigando-a a poupar na água do banho. Espalha velozmente o creme pelo rosto e a sua imagem começa o tocar o limite do aceitável. Ó larelas, está quase pronta para o mundo... quase... quase.

“- Amor!?!?!?!? Levanta, tá na hora.” – diz, enquanto o beija, o acaricia, o abana.

Ele levanta o tronco, vira a cabeça na direcção do relógio, tenta localizar-se no tempo... destapa-se num ápice.

“- Porque não me acordaste? Já estou atrasado...” – diz ele perante o ar incrédulo dela, quase se estampando contra a parede, após tropeçar numa dobra do edredão.

Vê-o correr para a casa-de-banho, ouve-o queixar-se do “nevoeiro” (rasto do banho dela) que teima em colar-se ao espelho não o deixando ver a barba.

Resmunga após um golpe na face, coloca papel higiénico no mesmo e lava os dentes.

“- Xá Extáx ...??” fala por entre fios de pasta dentífrica, escova de dentes e água.

Fora da divisão onde ele se encontra, ela abana a cabeça e, em esgar cómico, sem som, repete a pergunta que acabou de ouvir, terminando num “daaaaaaa”.

“- Estou sim amor” – responde.

“- Eras uma quida se arranjasses o pequeno almoço.”- diz em tom mimado e, sem esperar os protestos dela, acrescenta: “- Tou quase pronto... vou de seguida...”

Dispara a almofada para cima da cama que acaba de compor, apanha a roupa que ele, SEM QUERER, deixou cair em vários sítios do chão, dobra o jornal, apanha o comando da televisão... tudo isto enquanto o seu sonho de pequeno almoço se desfaz.

Agarra no casaco e mala e brincos e anéis, dispara o spray do perfume na direcção do pescoço e corre para a cozinha.

Prepara o repasto e aguenta a mão dele no penteado que lhe deu tanto trabalho a fazer.

“- Hum... estou esfomeado” – diz enquanto come a primeira torradinha, aquela que ela acabara de barrar e se imaginara a trincar.

Salivando, coloca nova fatia na torradeira e prepara-se para a defender com unhas e dentes.

“- Dormiste bem amorzito?” – pergunta ele.

De largo sorriso, sem certezas, responde que sim e ambos saem para mais um dia de trabalho.

Vê-o afastar-se e prende o olhar na sua figura linda. Sente saudades dele, enquanto corre a comprar a revista que traz as últimas novidades sobre como acabar com a maldita celulite.

Rebobinemos o filme…

Toca o despertador do lado direito... “- O telefone está a tocar.” – pensa ele – “porque será que ela não atende?”.

“- Amor... quido... tá na hora...”

“- Upss... afinal é o meu despertador” – pensa – travando-o.

Durante a acção de travar o despertador e de lhe dirigir algumas palavras, as quais não recorda, adormece.

Acorda com a presença dela já pronta. Aposta que já é tarde e nem o chamou, levanta-se meio irritado. Porque razão demorará ela tanto tempo na casa-de-banho, se nem a barba tem de fazer? E que mania tem de mandar com a roupa da cama toda para o seu lado... resmunga, ao tropeçar no edredão.

Mas é claro... outra coisa não seria de esperar, não se vê um boi à frente dos olhos, só falta aparecer D. Sebastião por entre tamanho nevoeiro. Apostaria o campeonato português de futebol em como ela usou a sua lâmina de barbear, resmunga enquanto se corta. Tanto dinheiro na esteticista e ele é que sofre... grrr

“- Xá Extáx ...??” – pergunta-lhe, por entre fios de pasta dentífrica, escova de dentes e água.

“- Eras uma quida se arranjasses o pequeno almoço.”- diz em tom mimado - “- Tou quase pronto... vou de seguida...”

Mal ouve a sua resposta por entre o delicioso barulho da água do banho no seu corpo.

Já pronto, segue em direcção ao cheiro agradável de uma torradinha que, avidamente agarra, não sem antes acariciar os cabelos da sua companheira.

“- Hum... estou esfomeado” – diz enquanto a devora.

“- Dormiste bem amorzito?” – pergunta.

Pensa no trabalho que o aguarda e nem ouve a resposta.

Saem. Sente-a afastar-se e apressa o passo em direcção à banca de jornais, onde lê as parangonas sobre os grandes clubes do futebol português.

Sente saudades das idas ao Estádio José Alvalade, onde, por entre cervejas e verdadeiro calão português, na companhia dos seus grandes amigalhaços, vibrava nas ondas futebolísticas os grandes desafios do seu clube, dissolvendo nos protestos e gargalhadas roucas todas as suas preocupações.

Concluo:

Tento ter presente que a felicidade pode e deve ser sempre alimentada. A rabugice de teimosias e feitios dá lugar à pronta discussão, sempre mais fácil que o apaziguar da calma e tolerância. Sendo inteligente (escusado será rirem-se desta absoluta e irrefutável certeza) percebo que o vazio se instala, pequenas lacunas tornam-se abismos e o olhar cândido e admirativo torna-se frio e distante. Ah pois é... não tenham dúvida alguma que o amor morre por dá cá aquela palha. Morre, morre! Pior é que se torna difícil fazer ressuscitar essa coisa maravilhosa que tanto desejamos.

Há lá sensação mais bela que a lânguida felicidade do desejo de partilhar os nossos mundos com alguém que nos ama e que amamos? Pela minha parte… estou disposta a vociferar contra as injustiças cometidas pelos árbitros contra o Sporting, disposta mesmo a fazer uma torcidita pelo mesmo (conquanto não jogue contra o meu clube – SLB… SLB…SLB… SLB SLB SLB... glorioso ... desculpem… entusiasmei-me, hihi). Só não sei se ele está disposto a ir à minha esteticista…