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30 dezembro 2007

Cavaleiro Andante



Foto: Minha autoria







De armas em punho, olhar gélido e coragem a enfeitar, surges por entre névoas de minha sombra e eu passo sem te olhar.

Má sorte, tua e minha. Por entre respirares, cruzados em breve momento, apenas uma leve brisa se fez sentir. Ouvi então o som cadenciado dos teus passos fortes e, percebendo o real dos meus sonhos, fechei meus olhos, com medo, mascarei-me com pozinhos de invisibilidade e deixei-te passar.

Segui então, com um sorriso triste e fraco, sem ti, sem mim e já sem sombra.



23 dezembro 2007

É Natal...

Nota: Esta "postagem" não tem direito a fotos e música.
Todos os anos…

Tento não lembrar esta quadra idiota, que nem respeito, nem desrespeito. Digo, a mim mesma, que não darei presentes a não ser aos sobrinhos, filhos e vizinhos, enquanto crianças. Prometo-me não sentir o frio da desolação tocar-me a alma, andando alegre e alerta para outras coisas que não sejam as deprimentes músicas natalícias, cheias de trinados e ferrinhos, ou os enfeites coloridos de luzes, a catrapiscar pelas ruas, árvores e fachadas de casas, por onde bonecos vermelhos fingem trepar. Recuso olhar as montras pejadas de apelativas prendas, cobertas de neve e bonequinhos de barro, ou os presépios onde adivinho uma criança nua, deitada em palhas. Pretendo saltar os dias da reunião familiar, onde se amontoam papéis e laços e sacos por entre as gargalhadas fartas dos meus sobrinhos. Assisto ao abandono dos despojos junto aos contentores do lixo. Vejo a ressaca das gentes, mais barrigudas e carregadas de olheiras, a fazerem adivinhar arrotos de sonhos, rabanadas e bacalhau com couves.

E todos os anos…

No meu refúgio, existem buraquinhos traidores que deixam passar as músicas e imagens patéticas, que me fazem doer bem fundo, me tornam em outra pessoa, me obrigam a feedback ridículo. Uma ou outra vez, sou apanhada desprevenida e, por breves segundos, oiço a ladainha de uma missa, que invade a minha sala, a minha casa e me derrota em angústia.

Acabo por sucumbir agastada de tristeza ao nada sentir de diferente. Chovem as mensagens, aparecem as prendas a lembrar a minha traumática teimosia em esquecer. Percebo que para muitos é realmente importante viver intensamente este louco festejo – o que me faz sentir ainda pior.


Algum dia…

A humanidade se lembrará de juntar todo este miserável dinheiro e dar-lhe um fim mais digno, como enviar à Unicef, à AMI, a qualquer instituição de solidariedade social, ou ONG?

Por que raio….

Compram tantos presentes, na maioria absurdos, mesmo sabendo que em Janeiro terão de apertar o cinto e lamentar a má sorte de não serem ricos?

Jamais…

Entenderei esta quadra, este fervor e/ou fingimento.

Vou continuar a fugir!

01 dezembro 2007

Um começar diferente...

Foto: Minha autoria

Já me via rodeada de paparazzis e em entrevistas vazias, após me ter sujeitado a make ups, vestida pelo Tenente ou João Rolo e penteada pela Lúcia Piloto. Imaginava as bancas dos quiosques enfeitadas de meu rosto, nos jornais e revistas depositados a molho ou pendurados com molas em expositores de ferro, as mãos das pessoas a manusear as folhas, até me encontrarem, lerem e criticarem - a fazer lembrar o “ovo de Colombo”.

“- Apre… saiu-lhe a sorte grande, à gaja… e por tão pouca coisa… sim que qualquer um fazia o que ela fez…”

OU

“- Ganda cena man. A cota teve uma 'baita' sorte. Bué da guita mano… Tá-se... Yaaaa... fui!!!”

Logo abaixo das brutais parangonas o meu rosto, primeiro, sereno, em candura e intelectualidade, alguns meses depois, com as mirabolantes especulações, em transe de terror.

Sentei-me no chão, de olhar perdido por entre as amarelas paredes, o pensamento a escorrer ao sabor do leite com café e do pão com manteiga.

“- Connosco temos a incrível cientista que revolucionou a comunidade científica. Pois, diga-nos… quanto tempo se dedicou a esta milagrosa experiência? Em que pensava quando fez a descoberta?, obviamente, que sabia o que pretendia?!!Os custos? Até que ponto alterou a sua maneira de pensar e viver?... Os vizinhos, falam-lhe da mesma maneira? Costumam bater-lhe à porta? Mas… diga-nos, como se lembrou de tal? Se fosse hoje voltava a fazer o mesmo?... Que tenciona descobrir mais?”

E eu, envergonhada, a lembrar-me que tinha acontecido nesta manhã de sábado, ao acordar estremunhada com o som medonho das máquinas de corte de relva e do ‘ta ra plin plin’ da recepção de mensagens no telemóvel - que se manteve ligado a aguardar notícias do rapaz. Eu, ainda a sentir a dificuldade em sair da cama, após uma noite mal dormida, e o esforço em equilibrar os ossos pelas escadas, até à cozinha - onde estou, sentada no chão a tomar o pequeno-almoço.

Eu, a contar como uma ligeira dor de cabeça ameaçava o meu querido sábado e o estômago me pedia alimento. A explicar o meu ritual matinal - a forma mecânica de virar a almoçadeira, de segurar no copo de água, abrir a embalagem de cecrisina e retirar uma pastilha, que deposito no fundo daquele e encho de água. Os dois passos até à bancada, onde a embalagem de leite me aguarda, o regresso já com aquela aberta, o deixar algumas gotas brancas escaparem-se, enquanto continuo a ouvir o ruído da pastilha a dissolver-se e encho a almoçadeira de leite. O corte do pão, o levantar da tampa da manteigueira, a dificuldade daquela pasta amarela em se espalhar pelas fatias finas, que se esfarelam e me fazem crescer água na boca. O não resistir a trincar uma delas.

Eu, a levantar a mão direita, para lhes mostrar qual a que retira o frasco de café - deitado numa grelha de ferro vermelha, pendurada ao armário, bem ao nível dos meus olhos - a levantar a mão esquerda para lhes explicar que troco o frasco de mão, a fim de o abrir e dele retirar duas colheritas de grãos escuros.

“- Olhei o copo de água, onde uma réstia de rodelinha de vitamina C se percebia, no entanto, o líquido mudava a sua cor laranja para castanho. Ainda tentei, com a colher, retirar os grãos que boiavam e colocá-los no leite, mas as bolhinhas de gás alaparam rápido, trocaram de posição e a mistura aconteceu. Em cima daquele castanho borbulhento uma ligeira espuma de café, a lembrar uma bica tirada numa máquina expresso…" – oiço a minha voz a chocar com o ar incrédulo dos entrevistadores.

" - E foi só! Não me atrevi a provar porque receei ter inventado uma droga qualquer, que ao ingerir me fizesse bater com a cabeça no teto da cozinha, mas vendi a patente a uma conceituada marca de café…” - a minha quase inaudível voz a tentar dizer algo.

" - Ahhh... E fiquem já a saber que se não tiverem calda de tomate para fazer carninha à bolonhesa, não adianta substituí-la por marmelada." - remato, finalmente, só para cortar o silêncio.

O pequeno-almoço terminou, com o meu riso a ecoar no amarelo mais vivo das paredes da cozinha. Em equilíbrio de pires e almoçadeira, levantei-me do chão.

De dia para dia a minha loucura e distracção avançam a passos largos e o que vale é que ainda vou achando graça.

19 novembro 2007

Navegar é Preciso!




Foto de minha autoria





Dizem que a dor faz-nos crescer. Prefiro ser pequenininha!

Encontro-me num estado de exaltação que me abana os nervos, me troca os movimentos, me desajeita o andar.

Deixei o meu filho num edifício que tem na fachada escrito, a letras gordas, ARMADA.

Vi-o afastar-se do meu regaço, por entre as gotas de chuva que se colaram ao vidro do carro. Senti um tremor estranho na alma ao olhar seu passo lento. O meu bebé cresceu, fez-se um homem em busca de um destino. E eu, ali, quieta a olhá-lo, com perfeita noção das minhas incapacidades, das limitações que me atrofiam esta vontade controlada de o proteger.

Disse-me adeus, já ao longe. Adivinhei-lhe o frio a trepar dentro de si, em murmúrios de um querer e não querer.

Logo hoje a chuva apareceu.

Pediu-me que lhe desejasse sorte. A minha voz saiu alta, sem que o previsse “- Boa sorte meu filho. Manda-te a eles, arrasa-os!” – disse-lhe, sem perceber. Suou-me quase a absurdo. Mandar-se a eles?, arrasá-los? Que estranha forma de lhe desejar sorte, mas foi o que saiu, em forma de comando.

Depois, fiquei ali, sentada a olhar o seu andar, um tempinho a apertar as mãos em preces desejadas, que nunca têm sentido.

“- Se não for apurado é porque não tinha de acontecer.” – disse-me, antes de sair do carro. Senti vacilar a sua voz no olhar que me deitou, como se o que acabava de dizer não fosse uma afirmação, mas antes uma interrogação feita a mim, sua mãe e confidente.

Adorado filho, o destino tem tantos caminhos lavrados de ses.

“ – Se não me aceitarem parto aquilo tudo, dou cabo de todos.” – gracejou.

“- Eu ajudo!” – disse-lhe a sorrir, pegando-lhe as mãos frias.

Regressei a casa, com o estômago a rodar de ansiedade crescente.

E ainda só lá vão cerca de 3 horitas após a minha mensagem de “Vais conseguir!”. Digo cada patetice nas mensagens que lhe envio.

Vão aqueles senhores ver o físico do meu filho e tentar avaliar-lhe a psique. Como se o conseguissem. Esse homem, nascido de mim, alberga meandros lindos e terríveis de capacidades inimagináveis em desencontros de raiva e amor, certezas e inseguranças.

Jamais conseguirão dissecar-lhe a alma, tão cheia de ternura e raivas, tão desejosa de se encontrar, tão à defesa, num mundo que ora crê conquistar, ora odeia e pinta com salpicos de negrura e abandono.

Tenham calma, meus senhores, que esse ser que mascaram de número e apelido é o que de mais importante a vida me deu e eu preciso desesperadamente sentir a sua força, para dar algum descanso a estes fágeis argumentos maternos.

E este amor pleno que de pouco serve em caso de revolta…

Amotino meu navio, mais uma vez, silenciosamente, em pensamentos de construção frágil, pintados às três pancadas, balançando ao sabor de desejos agoniados e incertos.

Resta-me aguardar, ansiosa, o seu regresso.

Por fim, mal rendida, em contínuo desassossego, lanço a âncora deste amor forte numa frase detestável: “O que for, será… Cá estarei, SEMPRE!”

BOA SORTE FILHO!

01 novembro 2007

Linhas de Uma Vida


Foto: Minha autoria


Esgravato sem dó meus pensamentos e sem dó os sorrisos se desapegam de mim, voam para longe, envelhecidos, doentes. Olho minhas mãos, em susto. Não as sei desenhar ou descrever. Serão minhas? Observo a linha da vida, enorme e bem definida.

Preciso afastar-me de mim, viajar em velocidade ou doce lentidão, mas fugir. Olhar meu corpo em fuga e aliviada dormir um sono lindo e calmo.

Por onde andas minha vida? Salto constantemente tuas linhas e erro a que me pertence…

O som do violão espalha-se e odeio a serenidade que percorro ao ouvi-lo. Outrora tive uma viola, só por ter - que não a sabia tocar - mas era bom olhá-la, sentir o seu cheiro a madeira e verniz, ver dedos a dedilhá-la enquanto nervosa esperava a vez de cantar.

Tive uma linha para mim, uma linha de uma vida a que não pertenço, mas partilhei. Fugiu sem eu saber como e em que altura, quando olhei em redor já lá não estava. Para trás… eu, qual menina abandonada, de olhos esbugalhados e boca aberta, segui meu caminho em companhia de mim, meia cabisbaixa, por não saber o que olhar.

Tive outras linhas, mas com a tendência de tropeçar no nada, em nada quase ficaram.

Sou um molde com defeitos que tenta aperfeiçoar-se, mas o tempo passa, também ele sem dó, acabo por ficar mais perfeita nas imperfeições acumuladas.

E o desespero que cheiro nas mãos que olho e conheço - por as olhar, somente por isso – desenha-se em sorrisos ingenuamente imaginados, perdidos de si e jamais encontrados.

05 outubro 2007

Concha Buika



As células do meu corpo tornam-se emocionalmente especiais e toda eu, olhos fechados, numa dança retorcida e sentida, nascida de um estranho mas não desconhecido prazer, voo.

O encanto preenche-me todos os vazios, transforma-me, abençoa-me o que não tenho, mas desejaria ser.

Abro as asas nesse voo quente e abraço a minha alegre tristeza em carinhos calmos, como se encarnasse outra coisa ou pessoa e deixasse de ser eu para ser EU.

Em mim um doce sofrimento que não magoa surge em momentos breves e torna-me graciosamente pequena.

Deusa dançante me torno e gosto e permito e anseio e sinto e viajo por entre os vários sons de instrumentos que pisam suavemente o meu mundo.

De repente tudo tem vida. Presenteio-me de um crer fortalecido, sólido, indestrutível e estendo a mão para agarrar o que de bom em mim exista, eternizando-o num drama.

E a fealdade torna-se bela, como se atraída fosse pelo som quente e arrastado de uma noite cheia de estrelas. Os meus pés descalços, que não tocam o chão, arrastam-se pelos brilhos da música, que me rasga inevitavelmente a alma, me despenteia em perfume e me apresenta um sorriso cheio de Lua.

22 julho 2007

Magoonífico

Foto: retirada do perfil de magoonífico (sem sua autorização, aiaiai)

Nota: (assim que eu conseguir: ponho a musiquinha em causa, hihihihihi)

Falam os esquecidos das gerações mais novas… Em todos os tempos o maldizer abate-se, sem dó nem piedade, sobre os sorrisos largos dos mais novos e repete-se, qual maldição impossível de travar. Para mim tudo se trata de dor de cotovelo… É que, nessa altura - a da JUVENTUDE FÍSICA E PSÍQUICA – a quase tudo nos permitimos e é chato começarmos a sentir limitações, que são mais que muitas, se são!

Os Cotas, os Velhos, o Pai e a Mãe, são uma “ganda” seca, uns bota-de-elástico, uns pessimistas moralizadores a quem se esconde grande parte do que realmente se é e faz. E para quê contar? Há que poupá-los… E acabam por se "poupar" ambos.

Pois é... os mais velhos também escondem aos filhos, sob a capa de adultos conscientes, a parte “negra” da outrora juventude. É assim como se tivessem nascido já adultos… Faço-me entender? A eterna imagem do bem fazer, do bem escolher, do correcto, do não errar, do pensar no futuro, do nunca ter presente…

Pela minha parte, tentei sempre, de forma gradual e com a percepção do “tempo certo”, sentar o meu filho à minha frente e conversar com ele, contar-lhe as imensas “asneiras” que sua mãe viveu. Faço-o sempre com o intuito de que me conheça verdadeiramente e jamais com a intenção de que não viva as suas próprias experiências. Relato o meu passado com cores de jovem, de forma leve e alegre e tento que perceba que a juventude tem tanto de efémera quanto de eterna, mas que há coisas que se vive e que têm um tempo próprio – o da descoberta, o do corte do cordão umbilical. E é bom ver o olhar dele abrir-se desmesuradamente em sorrisos de agradecimento por partilhar o belo e o menos belo de mim. Jamais senti a minha capa de mãe adulta cair, ao contrário. Sem o ter premeditado, oiço-o a ele contar-me coisas incríveis, coisas que a maior parte dos pais quer desconhecer. E toco-lhe ao de leve na face e sorrio também e apenas digo que viva, com cuidado e em respeito, por si e pelos outros e que se lembre sempre de mim. Sei que nem tudo me contará… é justo! Nem eu a ele.

Toda esta lenga lenga para quê?

Só para dizer que as lágrimas escorreram pelo meu rosto quando, pela enésima vez, abri o blog de um jovem amigo bloguista e me deparo com uma música que lhe havia mandado – Samba de Flora, de Airto Moreira.

Não é que aquele jovem - que consegue ter algum tempo para visitar o meu blog de cota e até me ordena que escreva - “postou” a musiquinha que tanta vez danço??? A tal que lhe mandei e que, mal cliquei no enter, tremi de incontrolável desejo de ser mosca, voar até Compostela, só para perceber se gostava, se a minha musiquinha era do seu agrado, se se sentava na sua varanda a reproduzir alguns sons da mesma.

Ele bem que me tinha dito da possibilidade de a postar no seu blog, mas eu não acreditei, nem deixei de acreditar… mandei somente, com a esperança de que gostasse. E lá está… e toquei no play, assim como para ter a certeza, através do som, de que estava a ver bem. E chorei, de alegria e reconhecimento, e dancei de alegria e reconhecimento, e fiz uma vénia incrivelmente dramática àquele jovem estudante, na flor da idade, cheio de irreverência e sonhos, onde percebo uma boa dose de consciência e responsabilidade. Ao jovem que reporta vivências lindas, que escreve sobre filmes e música, sobre os amigos e namorada, sobre política e sentimentos e através de ruas desconhecidas, iluminadas por candeeiros, me faz entrar em tascas, provar comezainas e beber boas pingas. Um jovem que me faz sentir na pele o meu passado em Coimbra, onde, sem sempre me dar conta, lutei pela minha liberdade e sanidade mental, tive amigos incríveis, partilhei quarto, fingi estudar, vivi a noite em bebedeiras de caixão à cova, saí pelas ruas, também elas estreitas, mascarada de homem, só para não destoar do pessoal masculino da República Baco que comigo partiam em busca do desconhecido. Um jovem que escreve bem, mesmo quando usa calão, que tem humor, adrenalina, desejos e se parece repartir em mil e uma coisa. Um jovem que tem um blog espectacular que me faz sorrir na sua leitura e que poucas vezes me atrevo a comentar, ora por falta de conhecimentos, ora por medo de ser uma intrusa, uma cota, que não esquece a sua conturbada juventude e reconhece não gostar de o ser.

Pois é… que sensação agradável a de me sentir dentro do seu jovem blog.

A ti Magoonífico… com imenso respeito, te agradeço.

21 julho 2007

A Uma Linda Camélia.



A vidraça da janela acachapou-lhe o nariz. Levantou a mãos e colocou-as uma de cada lado do rosto obrigando as bochechas a aproximarem-se dos cantos dos lábios, em forma de beijo colado ao vidro. Torceu os olhos.

“- Olá pessoas más.” – pensou, o mais rouco e grotescamente que pode.

De seguida, inclinou o rosto solto sobre o ombro esquerdo e fez o seu sorriso gaiato.

“- Bom dia pessoas boas.” – disse, em tom mimado, enquanto abanava as mãos em forma de saudação.

Olhou o Céu e mandou um beijo, repleto de carinho e saudades.

“- Zela por mim, pleaseeeeee. Vejo o teu sorriso adorado… amo-te amiga minha.”

Ligou a pequena aparelhagem e foi directa à música número catorze.

“- Para ti, querida amiga.”

E logo o som perfeito do piano se fez sentir.

“- Have I told you lately that I love you????” – cantou ao mesmo tempo que o cantor.

Sabia ser uma das canções que sua amiga adorava, ainda que esta versão não fosse do Rod Stewart… Tinha a certeza de que ela gostaria muito mais desta, cantada pelo Van Morrison.

Balançou o corpo, enquanto a mão esquerda se elevou ligeiramente e a direita tocou o estômago, em forma de dança.

Rodopiou suavemente, arrastando os pés naquela sua maneira tão típica de quem inventa o que não sabe.

Mandou-se para cima da cama, fechou os olhos e, de braços abertos, sentiu o seu corpo voar até se misturar nas nuvens.

O riso da sua amiga ecoou pelas paredes do sótão e, sorrindo, perpetuou a sua imagem por entre sorridentes lágrimas.

16 julho 2007

Caminhos Cruzados







Foto: de minha autoria









Vi uma ciganita, tinha ombros caídos e olhos de água. Sob o corpo frágil uma miscelânea de roupa branca e preta e nos pés uns soquetes brancos apareciam por todo o lado das abertas sandálias. O cabelo comprido estava apanhado em rabo-de-cavalo. Ao seu lado, também sentado, um bonito homem da mesma etnia, cabelo muito escuro, penteado com gel ou cera, manuseava CD’s que retirava de um gigante saco de plástico depositado a seus pés. As vestes do homem eram escuras, como a tristeza e silêncio que percebi em ambos.

Olhei-os de soslaio. Enquanto ele guardava os Cd’s no saco, ela fixava o olhar e, ainda que de olhos semicerrados, eu vi-lhe o desgosto escorrer até o chão escuro e sujo da estação onde aguardávamos o comboio.

De súbito, o homem baixou o rosto até o colocar entre as mãos vazias. Logo ela abriu os olhos e, em terno abraço, percebi-lhe o consolo. Os dedos finos passeavam por entre os fios de cabelo dele até chocarem com as lívidas faces, onde permaneciam por breves instantes, em carícia, depois retomavam o passeio.

Ouvi sussurros, vi abanos de cabeças de outras gentes que os olhavam. Alheios - ou talvez habituados – ao que os rodeava, o casal continuava a sua manifestação de desalento e força.

Um leve sorriso no rosto dela e a tristeza, que lhe lera pouco antes nos olhos, a dar lugar a um brilho de certezas. Daquele corpo frágil escapava um imenso carinho. Então ele levantou o rosto e olhou-a. Não sei que olhar terá feito, porque o meu se desviou aflito, na tentativa de evitar um choro.

Assim que me recompus, atrevi-me a olhá-los de novo e já ele segurava o rosto dela, em suaves festas, até se abraçarem e me deixarem completamente de rastos.

Vários pensamentos, em atropelo, despoletaram em mim.

Quantos de nós existem, vindos de fracas possibilidades, com um destino marcado ao primeiro respiro e seguimos caminhos delimitados por uma sociedade preconceituosa e cruel?! Quantos de nós têm a coragem de perceber que a dor existe em qualquer ser, bem como a alegria, a ansiedade, a revolta, o desejo, o mau, o bom, o feio e o belo?… E quantos de nós percebem que somos simples bolas tiradas de um grande saco, onde a sorte de se ser branco nada tem a ver com sentimentos e lugares pré-adquiridos na vida?

Percebo que continuarei o trajecto que me coube sem ter certezas de nada e muito pouco entender, ainda assim, creio que determinados actos emergem do ser humano, condicionados pela educação, raça, meio envolvente e, se a tudo isto juntarmos um gene qualquer que lhe confira coragem, inteligência, positivismo, tolerância e uma boa dose de capacidade em aceitar a mudança, pode ser que não obtenhamos o ideal humano, mas decerto encontraremos seres que marcam a diferença, porque não acomodados a estereótipos e jamais vencidos pela ignorância.

Partes da minha infância e adolescência, passeia-as a imaginar-me cigana. Os ciganos eram o sinónimo da liberdade, o contínuo aroma a flores silvestres, urze, terra, cheiro a Sol e a canto. Era o amarelo de Van Gogh em paisagens de espigas pisadas em correria, ou o verde dos prados selvagens, carregados de orvalho. Eram os chapéus negros a perpetuar a tez morena, o dormir ao relento sob um Céu protector, o andar orgulhosamente descalça.

Aos poucos adoptei as saias compridas e rodadas, os cabelos longos, as imensas argolas que me rasgavam os lóbulos das orelhas e, porque era muito morena, a identificação tornava-se possível. Sonhava com a minha mãe cigana que, ao contrário da minha verdadeira mãe, não tinha olhos azuis e muito menos cabelos loiros.

Um dia, ao passar por um jardim lisboeta, duas ciganas tolheram-me o caminho e, agarrando-me nas mãos, leram-me a sina. Deixei, sem medo ou quaisquer relutâncias, feliz. Da leitura recordo apenas um vaticínio.

“- Vejo a letra A… é a letra de um nome cigano. Um dia vais conhecer o homem que tem esse nome e casarás com ele… serás finalmente feliz!”

Nada disto me pareceu estranho, pelo contrário, tinha a certeza desse dia e com ele, o fechar finalmente de um ciclo de vida, com o meu regresso às origens.

Essas manias passaram com o tempo, sobretudo com a terrível constatação de que eu era a cara chapada da minha mãe sanguínea, ainda que versão morena. O respeito pela etnia cigana continuou, até entender que se estendia a quaisquer raças. Sou mais feliz assim. Não entendo separatismos, choca-me a burrice da catalogação.

Ao meu filho tentei transmitir que o verdadeiro ser é aquele que usa, acredita e aceita a visão do sentir e só depois percebe as cores como seu complemento. Ensinei que o menor pode ser maior e vice-versa, que não é importante vivermos em maioria, mas antes entender a sua fragilidade ou força. Tentei incutir-lhe a coragem da diferença, o não receio de estarmos sós nas nossas crenças e filosofias, que errar só é importante quando fingimos disso não nos darmos conta, não pedimos desculpa, ou tão pouco nos emendamos.

Transmiti-lhe que o amor chega em força de um abraço sentido, um abraço do tamanho do mundo com a força da nossa consciência. Sobretudo, transmiti-lhe que pequenos desvios, ao longo do tempo transformam-se em grandes distâncias onde nos podemos perder irremediavelmente.

22 junho 2007

Reflexos



Foto: Minha autoria






Ali mesmo, perto do virar de algo, encontro a minha repetição… Este ano é que vai ser!!!! E será, não tenho dúvida alguma. Será!!!!!, porque todos os anos o é, por isso também este não fugirá à regra. A meio do ano penso ainda estar no seu começo, a aguardar mudanças que desconheço, mas necessito e, quando o seu final chega, olho para todos os lados e nada vejo, mas sinto. E o belo reside aí – no desconhecimento que anseio, na tentativa de dar um passo diferente, que dou e do qual só me apercebo quando já não existe e desconheço se o sei ou o quero repetir.

Gosto de mim assim, sem noção do tempo, sem noção do espaço, completamente à nora, sem reversos, ou vice versos, à toa com os caminhos reais e irreais, em busca de algo que possivelmente tenho, mas não sei o que seja.

É giro, é característico, é patusco e começo a habituar-me, como se uma grande vírgula fosse, colocada no sítio errado, mas bem visível.

Rio de mim e para mim… gozo com prazer mesquinho o meu íntimo porque me sei um caso perdido entre dúvidas que não formulo, por disso não necessitar… estão todas lá, misturadas em partículas de puzzle, à mão de semear, ainda que a sua imagem se forme à frente ou atrás do foco da minha percepção, por tal sempre desfocadas, por excesso ou defeito. Quero lá bem saber onde está o centro. Que se lixe o centro, o equilíbrio, o perfeito, o simétrico… Sou imperfeita e não me importo, ainda bem.

Sonho a surpresa de me surpreender, sem que disso me dê conta no tempo certo. Igualzinha a uma criança inquieta e impaciente, questiono o presente de que me presenteio e tento adivinhá-lo, por entre fintas a que resisto, não revelando o seu interior, a mim, conhecedora e desconhecedora, ofertante e ofertada.

É giro! Repito.

E sei que os meus olhos brilham de emoção e ansiedade nesse constante jogo, saído de uma inércia teimosa, aguardando que os dados da vida se lancem a eles próprios, desconhecendo a sua velocidade e vícios.

E caminho por entre ventos calmos e tempestuosos, trauteando a felicidade de não ser rígida e de me aguentar sem partir.

20 maio 2007

Filmitos

Foto: de minha autoria





Cedo percebi que a melhor maneira de não remoer o passado é desdramatizar algumas recordações e deixá-las viver no meio de alegria e, quanto mais tristes forem, mais alegria lhes ofereço. Por vezes, rio mesmo às gargalhadas na cara delas e, em piruetas, deixo-as com ar admirado e incrédulo. Saio a fazer sarcásticas vénias, apertando meu coração para não chorar… deitando uns ahhhhhhs cá para fora, de desdém ou acolhimento.

Esta também sou eu!, uma artista de circo, tentando não cair do arame que piso em mais ou menos tremeliques, sem noção da distância ao chão. Por exemplo, deveria já ter tomado o meu banho, ido ao super mercado comprar comidinha, fazer uma sopita, comer e, só então estar aqui a escrever, ou a estudar, ou a ler, a pesquisar, sei lá… Mas não! Estou sentada ao computador, com o pé esquerdo pousado na cadeira, a olhar o mundo lá fora, cinzento e em nevoeiro e vejo-o agradavelmente belo.

Os pássaros, em chilreio, rasam o portão do meu quintal – preciso pintá-lo – e, primeiro, mantêm-se por cima das folhas da única árvore de fruto que aí tenho, depois, uns desistem e regressam, outros pousam e bicam as folhas mais tenras.

Falta-me a relva substituída por quadrados de tijoleira, o seu cheiro e da terra, molhadas pelo cacimbo que docemente pisa o solo. Se fechar os olhos, oiço-me a correr por ervas não cortadas. Das frestas de um baú, por entre pó pintado de claridade, a bobina desenrola-se qual filme antigo e mostra-me criança, com saia curta em godés, a correr pelos verdes acinzentados com brilho de gotículas de orvalho que molham as magras pernas desnudadas. Os soquetes brancos avivam a película, por algum tempo, até me descalçar e, sem medo, pousar os pequeninos pés na humidade da tarde, remexendo o solo com os deditos gelados.

Era o tempo em que pegava nos bichos-de-conta, minhocas, lagartas da seda e sei lá mais o quê, sem medo e sem lhes fazer mal, a brincar com eles, sem lhes perceber o medo. Tempo em que, sem nojo, fazia caracóis passear nas minhas mãos e lhes encurtava os corninhos ao toque suave de meu dedo pequenino.

Entendo o passar do tempo na agonia da recordação. Certo é que não entendo algumas melancolias, mas não me atormento. Deixei de pensar na infância triste, adolescência mais que triste a que juntei uma enorme insegurança e na minha fase adulta. Guardo tudo isso em baús que, à falta de odiadas fechaduras, encerro com pregos possíveis de arrancar.

Náusea é a palavra adequada. Não gosto de olhar para trás, mas algumas recordações lutam desmesuradamente pela actualidade e vão-se escapando para o futuro, onde me surpreendem mal coloco o pezinho nele.

Então eu deixo!, vou fazer o quê? Agarrar nelas embrulhá-las num cobertor e deitá-las ao mar, agarradas a uma pesada âncora?

Logo me verei sentada nas escarpas, olhando o solo esverdeado por entre brumas a desfazer-se, ou a tentar não cair pela largura de um pneu inchado - a ameaçar escapulir-se de meus dedos – em terror de ser engolida pelas águas vivas e ameaçadoras de um mar revolto. Verei meu olhar preso àquela figura escura, recortada por imensas estrelinhas brilhantes, que se afasta de mim, em seguras braçadas, desaparecendo e aparecendo, confundindo o meu pequenino coração em sobressalto de solidão e alegria de reencontro. Sentirei a mistura do desespero de ser esquecida e a alegria de ser lembrada, sempre no silencioso grito, como se nada se passasse, tudo estivesse bem. E estava! Tudo estava bem, quando seu rosto magro e lindo surgia junto a mim, à distância de meu abraço e, ouvia seu riso calmo. Deixava cair meu rosto em seus ombros molhados e, nunca desmentindo a certeza de me achar corajosa, deixava-o transportar-me à areia quente onde se estendia ao meu lado.

Sentada, brincava com a areia, que teimava agarrar-se ao corpo, olhava aquela água, já longe de mim, pressentia-lhe mistério no som que me deleitava e, de olhos extasiados, sonhava a sua medonha beleza.

Tudo se torna fácil de relembrar, porque não esquecido, apenas não gosto de rever certo filmes, outros… o tempo se encarrega de repassar.

E agora vou às comprinhas, vestida de doces recordações de cheiros de relva e terra e mar e areia quente, cheia de mim, criança, adolescente e adulta.

Aos poucos, por entre a música que se fizer ouvir no carro e no desejo de viajar incessantemente, em vórtice enfraquecido regressarei ao hoje que tudo encerra, mas a sorrir.

14 maio 2007

Em Pinturas




Foto: minha autoria





Existem dores difíceis de apagar ou minorar, porque confusas. Porque será que neste choro tenho a tendência de levar as mãos ao rosto e de apertar as pálpebras com força e de retesar os músculos faciais, enquanto um som qualquer se acumula na garganta, empurrado pelo encolher de barriga e estômago? Foi um pequeno aparte, possivelmente todos fazem isso, depois há muitas formas de chorar. A esta forma chamarei o choro surpresa, porque só dou conta dele quando as mãos lutam ou aparam minhas faces.

O choro surpresa vem junto com a tal dor difícil de evitar. Vem cheio de confusão, abre portas de descobertas, mas descobertas não sustentáveis, daí a confusão. Faz-se sentir quando percebo que algo pode não ser o que parece, pior, algo pode não ser o que tentam que pareça. As minhas quase descobertas sempre são feitas tarde e más horas, quando já não necessárias e nunca despoletadas por mim. Daí o reabrir de feridas que sarei rápido porque julgadas entendidas.

Não sou de meias medidas e, se aos olhos de quem leia meus textos, sem me conhecer, possa parecer uma pessoa triste, depressiva, caótica, destrambelhada. Afirmo que tenho uma dose qb disso tudo, mas - ESPANTEM-SE – sou alegre. Só não consigo suster estes choros porque a tal dor abre mágoas e perguntas desagradáveis. Perguntas a que respondo infantilmente, o que me magoa ainda mais. Perguntas que surgem de chofre, quando tudo parece explicado, qual terramoto cheio de réplicas, em dia bonito.

Sou uma saloia simples. A minha alegria existe nessa simplicidades, contrasta com esses choros que me abanam todinha e quase fazem ruir o brilho de meu olhar. Esse choro provoca raiva, revolta, porque enquanto reconstruo tijolo a tijolo toda a minha pessoa verifico que alguns tijolos vão lascados e isso chateia-me.

Não choro por amores falhados, esses apenas lamento e esqueço. Choro porque me sinto um osso mal roído, mas não esquecido.

Estou magoada, revoltada, em raiva surda de ser tão estúpida. Ofereço-me sem reservas e esbofeteiam a minha docilidade e credulidade, pior abrem a porta dos meus porquês e soltam o ser ou não ser. Destroem imagens belas, transformam-nas em horror e quase me afogam por entre limos de monstros negros que teimam passar as mãos sujas em meu rosto espantado. Assisto, em choque, a transformações não imaginadas e o cinzento e negro aumentam por entre um plasma sujo e oleoso onde os monstros tentam sorrir enganos e me fazem vacilar em pena e desgosto, enquanto tento pegar seus rostos e neles fazer retoques a cores lindas de primavera.

Tudo em vão! Nada se entende e acabo por chorar lágrima multicolores, quais diamantes polidos que contrastam com o negro da desilusão. São diamantes cheios de dor e de esperança. Dor pelas descobertas, esperança de manter o brilho das cores de que sou construída. Cores quentes, alegres, aveludadas e simples, cheias de margaridas, rosas e cheiros bons, por onde dançam notas de música suave e linda que transportam o meu sorriso.

Há, sem dúvida, dores difíceis de apagar ou minorar, mas mais difícil é apagar páginas da nossa vida que julgámos belas.

13 maio 2007

Cumpra-se!





Foto: de minha autoria




Corre corpo meu por entre arvoredos ponteados de luzes e cores! Corre rápido e permite ao vento secar teu grito de dor, em suor transformado.

Floresta de mim, deixa-me cair nas folhas que perdes em desconsolado pranto e nelas ficar a contemplar o chilreado que rompe teu silêncio em sobressalto.

Do mergulho que faço à merda de vida que te ofereço, quero emergir entre forças de risos lindos, que tanto gosto de ter e esquecer que me engano fácil no acreditar.

Corpo meu, não permitas que a hóspede que albergas se livre da inocência e se revista de armaduras patéticas, porque, PROMETO-TE… um dia, um dia qualquer, de chuva ou de Sol, alargarei teu rosto em alegria petiz; um dia, correrás por entre esses mesmos arvoredos ponteados de luzes e cores, em êxtase de não estares só e, nessa altura, quero que deixes a alma voar junto aos pássaros, um voo desajeitado e inconsciente, um voo picado, rasante, em piruetas, um voo que te faça descansar em folhas de um pranto lindo, num silêncio cortado por jubilosos gritos e, nessa altura, preciso de minha alma nua.

13 abril 2007

Vai-se Andando...


Foto: Minha autoria


Acordou com os olhos inchados de quem havia adormecido com a cara colada ao travesseiro.

Estacionou o carro à La Gardère, ela sempre tão cumpridora, tão temerosa de ocupar um lugarzito mal calculado, que estorvasse outro estacionamento. Com o mesmo descuido caminhou com passos poderosos. Um caminhar assim como quem olha no espelho e estuda os movimentos. Andar de malandra, andar seguro, andar de quem tem o mundo à distância de um dedo. Andar de bailarina que pisa o chão em sons de batuque. Andar de cabelos ao vento, andar quente, andar de luz. Andar de pensamentos lindos e de perfume. Andar de romance e sonho, certezas e calma. Andar de quem chegou a um ponto da vida em que já nada tem a temer. Andar gingão, à Clint Eastwood ou Keanu Reeves. Andar despreocupado e feliz.

Entrou no seu “café”, sem se incomodar com os olhares.

- Galão de máquina com leite frio – ouviu o Jorge solicitar ao colega de balcão, sabendo que era para si.

Dirigiu-se a uma mesa de canto. Sentou-se e aguardou enquanto recordava o seu gostar de dias cinzentos, não de um cinza qualquer, mas exactamente o daquele dia.

Forçou a abertura dos olhos até sentir a testa enrugar-se e apercebeu-se que o inchaço daqueles ainda se mantinha.

- Jorge, é um pão com manteiga, para comer agora – pediu, em voz baixa, mas segura.

O Jorge, um homem bem mais novo que ela, alto, cabelo curto, calça escura, avental grená e camisa branca de mangas curtas - deixando visível uma série de tatuagens - aproximou-se de bandeja em equilíbrio. Delicadamente, pousou o seu pequeno-almoço na mesa.

- É um miminho, apenas um miminho… - disse baixinho, mantendo o tronco ligeiramente inclinado para si.

Olhou o prato onde uma miniatura de pastel de nata se encostava ao pão com manteiga.

- Obrigada Jorge – disse com a voz embargada, tapando a cara, para que as lágrimas não fossem vistas.

Afinal era um andar de fingimento, um andar incapaz, trôpego e desajeitado, feito de mágoas e desespero camuflados. Um caminhar em busca de esperança e de força, um andar desnorteado e sem abrigo. Um andar não seu, de manteiga a derreter. Um andar à Edith Piaff ou Toots Thielemans. Um andar por entre pedras caminhado, atafulhado de gritos surdos de socorro.

Um caminhar em teatro não pensado.

06 março 2007

Anjinho da Guarda...



Foto: minha autoria

Tentei dormir, um soninho descansado… disse mesmo “Anjinho da Guarda, minha companhia, guardai minha alma de noite e de dia”, mas meu coração não sossegou. Bateu forte, em desespero, fez-me virar e revirar por entre os lençóis. Ouvi meu choro, primeiro mansinho, depois a querer impor-se.

Sentei-me em esforço na beirinha da cama e mantive o corpo encolhido por entre um abraço forte, cabeça sob os joelhos. E quanto mais dizia para mim “Força!!!, força!” mais aquelas surgiam em descontrolado pranto. Levantei-me em fúria, dei passos pelo soalho enquanto limpava o rosto. Uma dor me acometeu, dor imensa, inexplicável, como todas as dores que se tem, mas maior. Uma dor que me fez olhar o Céu e desejar que ele me levasse bem para longe de mim. Uma dor que ninguém poderia apagar, por ser tão forte e inexplicável. Uma dor minha, de revolta, de insatisfação, de desgaste, de desconsolo, solidão… assim como se eu não existisse e tudo fosse vão, ou fosse uma marioneta nas mãos de um gigante invisível, uma marioneta que se julgasse viva, com vontades e decisões próprias. E quanto maior a dor se tornava mais o choro se extinguia, mas não porque a calma se sentisse, antes o medo. Medo do nada.

Vivo em mundos de ilusão insuficiente. Não aceito o que me dão, nunca me basta. E quero tão pouco. Um sorriso, uma dádiva sentida, uma alegria em carinho. Um correr pelos caminhos agrestes, em companhia.

A noite assusta-me, tem tentáculos de tristeza, faz-me mal o seu silêncio cortado pelo vento nas telhas. Ligo o rádio, baixinho, mas as notas que oiço vêm em forma de fantasmas bonitos e não me acalmo. Desligo. Quem dera fosse tão fácil desligar esta dor.

04 março 2007

Tou Tiste...



Foto: Minha autoria





Determinada estou a finalizar algo que iniciei faz anos. Percebo que tudo o que realmente me interessa tem altos e baixos, entusiasmos e desalentos, lutas constantes com o meu Eu - ora teimoso e cheio de forças, ora desapegado e mandrião. As minhas decisões acabam por se concretizar, sei bem que será esse o desfecho, mas teimo em criar tensões que me stressam até aos limites da minha paciência. Por tal, ralho comigo, chamo-me a atenção e mergulho em arrependimentos tardios, mas não definitivos.

O trabalho é interessante, cria em mim desafios constantes e, quando mergulhada em leituras, o entusiasmo exacerba-se ao ponto de esquecer que devo alimentar este físico a acusar magreza.

Oiço música durante o processo e dou comigo a abanar a cabeça, enquanto, em gestos de maestro, empunho a caneta com que sublinho os apontamentos. Os pés não param de tremelicar e o delírio é atingido em ideias que tento reter em tópicos soltos, pelos vários ficheiros que crio no Word. Pela secretária, chão e sofá proliferam folhas, livros e fotocópias de apontamentos, num desorganizado espaço físico assustador.

Quarta-feira, se tudo correr como combinado, encontrar-me-ei com o Professor Orientador. Sei que vou titubear, as minhas mãos irrequietas tentarão colmatar as falhas da voz e do pensamento, durante os primeiros minutos (mínimo 10 – se não for muito interrompida), que depois acalmo, fico adulta e difícil será calar-me.

Mas sinto uma solidão estúpida que me entristece e frustra. Penso como seria bom “sentir-te a meu lado” num orgulhoso olhar por entre a fresta da porta do escritório, brincando em sorriso de contemplação na minha pessoa. Ver-te entrar em bicos de pés, numa pantomímica engraçada, equilibrando um prato de comida. Perceber o alargar do teu sorriso ao verificar que meus olhos brilham de amor incontido e, já sem medo de reprimendas, sentir as tuas mãos pegar nas minhas enquanto, de forma mimada, me pedes uma pausa, que concederei de imediato. Acompanhar os teus passos até ao quintalinho, tão esquecido, e aconchegar-me no teu abraço a contemplar a Lua que se esconde por entre adivinhadas nuvens, enquanto te acaricio as mãos e brinco com teus dedos.

Paro então o meu trabalho, a minha leitura, a caneta… dou-me conta dessa falta, em tristeza embrulhada e, num manso carinho de e para mim, escuto melhor a música e faço-me um pouco de companhia. Abro os meus pequenos mundos e escrevo de enfiada este texto, paradigma dessa estúpida solidão.

03 fevereiro 2007

10 minutinhos

Foto: de Maria São Miguel in www.olhares.com




Há quantos anos ali vivia? Vinte? Mais? Pensou, enquanto aguardava que o Sr. Zé do quiosque terminasse a passadeira de peões. Seguiu em busca de um cantinho para o carro. Coisa difícil àquela hora. Ali estava!, bem em frente à papelaria, no cimo da estrada que a levaria à estação de comboios.

Saiu apressada, acenou ao dono da papelaria, que retribuiu o aceno e com a mochila a tentar agarrar-se ao ombro, o casaco a fazer o pino, a chave sem saber para onde ir e a pasta dos papéis a ameaçar deixar fugir todo o seu conteúdo, trancou o carro no trinco. Nunca usava a chave, o que a obrigou a assaltar o seu veículo mais que uma vez, após verificar que a miserável havia ficado na ignição. Com a planta do pé direito empurrou a porta, cuidadosamente, até sentir que esta se encontrava devidamente fechada. Correu pela ladeira, conseguiu tirar o telemóvel da bolsinha e verificar as horas. Ainda tinha tempo para tomar um galãozito com a sua amiga. Estaria ela na pastelaria?

As portas abriram à sua chegada. Antes de descer os três degraus da entrada, olhou em redor e viu o seu vulto junto ao balcão. Falava com a D. Dora, proprietária do estabelecimento. Entrou satisfeita. O Jorge, o mais novo dos empregados transmitiu a sua chegada.

- Galão de máquina com leite frio – disse alto.

Dirigiu-se ao balcão, colocou uma mão sobre o casaco de fazenda castanho claro da sua amiga e olhou-a sorrindo. O rosto da senhora voltou-se e retribuiu em delicado sorriso. Desde sempre vira o seu rosto com aquela candura.

Afinal, há quanto tempo tinha ido para ali morar? Vinte? Mais? Desde que os seus olhos se imaginaram em feliz liberdade. Fariam uns 22 anitos. Meses depois de ter casado com o seu melhor amigo, com quem viria a ter um maravilhoso filho.

A senhora era amiga da mãe de um grande amigo deles, por sua vez, uma mulher única, espectacular. Ambas nutriram por ela, desde logo, um carinho bom, a que não estava habituada.

- Vai comer alguma coisa? – perguntou a D. Dora, remexendo nos bolitos secos.

- Prove!... – disse ainda, sem aguardar resposta, estendendo-lhe um bolito, preso por entre os dentes da tenaz dos bolos.

Agradeceu, enquanto o retirava, ficando todos os seus pertences em completo malabarismo.

- Vai já embora Teresinha? – perguntou a sua amiga, ansiosa.

Teresinha. Sabia bem ouvir o seu nome no diminutivo. A D. Margarida, mãe do seu grande amigo também a tratara assim.

- Não, não. Tenho ainda 10 minutinhos – disse, olhando o grande relógio pendurado na parede, em frente à máquina do café.

- Sabe como é que eu posso conseguir um registo criminal? – perguntou um dos empregados, debruçando-se no balcão.

- Sei sim, Sr. Alfredo. Tem urgência? Trago-lhe amanhã uma folhita para preencher a dar-me autorização de o requerer.

- Não lhe custa nada? Não quero incomodar… - disse

- Não custa nadinha, não se preocupe – respondeu a rir.

Olhou o balcão, em busca do seu galão.

- O Jorge leva. Sente-se – disse a D. Dora, adivinhando-lhe o olhar.

Poderia transportá-lo até à mesa, mas não quis desagradar a senhora. Sentou-se em frente à sua amiga, na mesinha do cantinho, por baixo da grande janela envidraçada. A D. Nanda, arrastou uma outra cadeira para que pudesse colocar as suas coisas.

Trocavam já umas palavrinhas quando o Jorge colocou o copo do galão sob a mesa. Quase ao mesmo tempo estendeu um jornal à D. Nanda, que de imediato o guardou, agradecendo.

- É muito nosso amigo este rapazinho – disse sorrindo – Muito bom rapaz.

- É! Sempre atencioso – assentiu ela.

A D. Dora aproximou-se com uma saco de papel, onde se viam os nome, morada e logótipo da pastelaria.

- Tome. São para o seu lanchinho – disse, estendendo-lhe a saqueta.

- Ora… muito obrigada. É muito gentil – retorquiu, guardando-a na mochila.

Rasgou o invólucro do açúcar e despejou-o no café com leite. Ainda sorria enquanto mexia o líquido com a esticada colher.

- Pois é, Teresinha, é por isto que não quis sair daqui quando o meu marido faleceu – iniciou a sua amiga

– E se cheguei a ver outras casas… lá para os lados do meu filho. Mas sempre aqui vivi… ‘Não vale a pena procurar mais, tu não queres sair daqui, pois não mãe?’, ‘Não filho, não quero!’

O tom de voz demonstrava emoção, assim como se com o próprio filho falasse e despejasse, por um lado, o alívio de ter sido ele a dizê-lo, por outro o sentimento de culpa de não satisfazer o seu desejo de a ter mais perto. Como se a distância a tornasse menos mãe.

- Fez bem, D. Nanda – consolou-a, ao notar-lhe o rosto subitamente entristecido.

- É aqui que criou raízes, físicas e afectivas. Depois, o seu filho rapidamente se põe cá a visitá-la. Hoje há bons caminhos.

- Mal saio de casa, cumprimento uma série de pessoas. Estou habituada, sabe?, todos me conhecem e eu conheço toda a gente. Depois, venho até aqui ao café, cumprimento a D. Dora, o Jorge… Venho na esperança de a ver, para conversarmos um bocadinho. Sei que é a esta hora, mais ou menos, que costuma aparecer – disse, com o rosto a iluminar-se.

- Gosto de conversar consigo, minha filha. Como a Teresinha é muito raro… eu não conheço… – continuou, tocando-lhe no seu pontinho fraco.

Tinha por hábito também a tratar por filhinha e isso provocava-lhe um constante estremecimento na alma. Baixou os olhos marejados, para logo de seguida os desviar para um ponto no infinito, a fim de esconder a emoção. O carinho daquela senhora, aliado à solidão que lhe adivinhava, comovia-a e transtornava-a por completo.

Sempre vira a senhora com o mesmo aspecto, o tempo dir-se-ia que não passava por ela, ao ponto de não saber calcular a sua idade. Setenta? Mais? E que importância tinha isso? A partir de certa altura a idade pouco importa, a solidão?!, essa sim! Se ela, bem mais nova, se sentia tão só… Como seria dentro de vinte ou trinta anos? Teria ela uma Teresinha para conversar alguns instantes por dia?

- Entendo o que me diz. Também eu me sinto bem quando as pessoas se dirigem a mim em tom de conhecimento. É tão bom sentir este bairrismo. Depois, acho fácil sorrir e conversar com as pessoas. Somos uma grande família – riu-se, ainda mal recomposta da doce fragilidade que a senhora lhe transmitia.

- Temos de nos encontrar com mais tempo – retomou, voluntariosa – Poderíamos ir até à praia… bem agasalhadinhas, que ainda faz frio…

- Ai Teresinha, à esplanada da Praia Grande… – interrompeu-a a senhora com ar feliz – É tão bonita aquela praia e está-se tão bem naquela esplanada.

- Isso – concordou entusiasmada, enquanto fazia sinal ao Jorge para que recebesse o pagamento.

- Deixe estar minha filha, hoje pago eu.

Olhou por breves instantes aquele rosto bem tratado, ornado de madeixas onduladas, de branco azulado. Não lhe agradava que a sua amiga gastasse dinheiro com ela, mas percebeu que seria indelicado não aceitar.

- Obrigada – disse, enquanto agarrava as suas coisas e se debruçava para depositar dois beijinhos no seu rosto.

- Temos de combinar… - repetiu, apressada.

- Está bem, minha filha. Vá-se embora, antes que perca o comboio.

- Adeus, boa tarde – despediu-se de todos.

Antes que as portas se fechassem, ouviu ainda algumas vozes responderem: “Até amanhãaaaa.”

Já recostada no banco do comboio, entre triste e alegre pensou como gostaria de ser muitas Teresinhas, para que uma pudesse preencher um pouco a solidão da sua amiga, outra fosse trabalhar, outra conversasse com o filho e ainda outra se refugiasse nos seus pequenos mundos, registando tudo o que sentisse. Se mais houvesse… que bom seria.

26 janeiro 2007

Ridícula... Eu?!






Não faço juízos das pessoas pelo seu exterior!

Recordo-me de, em idade jovem, escutar opiniões de amigas minhas sobre o que ficava ou deixava de ficar bem a determinadas pessoas. Referiam-se ao invólucro – roupas, sapatos, cores de cabelos, penteados, estilos. Sempre tive a capacidade de desnudar tudo e todos. Por que raio as pessoas tinham de se vestir e arranjar consoante a idade? Para mim tanto fazia. As minhas amigas olhavam-me incrédulas. Choviam recriminações em forma de acusação e vice-versa. Na realidade eu não reparava nessas coisas. Ficava incomodada quando me perguntavam o parecer sobre a indumentária que fulana de tal usava. Se queriam a minha opinião deveriam ter perguntado mais cedo, antes que a pessoa tivesse desaparecido. Era-me impossível lembrar cores ou feitios quando nem sequer sabia se eram calças, saias, ou fosse o que fosse que vestiam. Decerto nuas não estavam.

Dêem-me um sorriso, um pequenino gesto, talvez uma palavrinha em forma de olhar, assim como quem mergulha em almas. Aí, eu capto! Hoje, continuo a ser, naquele campo, verdadeiramente inútil.

Só que acordei em tristeza tamanha que, ao olhar para o espelho, fui esbofeteada em autocríticas. “- Estás velhota, minha amiga! Cadavérica, enrugada… macilenta. E que teimosia a tua em vestires como as teenagers… E o cabelo?!!!... todo despenteado, madeixas cor-de-laranja!??!... é que nem é cajú… é laranja vivo! Será que o ridículo não se estampou em ti?”

Foi exactamente neste ponto que me lembrei das minhas amigas e das suas críticas acérrimas.

Como estarão elas? Lembrar-se-ão dos seus olhares de esguelha?, da necessidade de desconstruírem?, de falar mal?, de invadirem da pior forma o mundo alheio?, ou encontrar-se-ão hoje no lugar das que criticavam, sem se darem conta (o que dá imenso jeito)?

Levo anos a mudar a minha forma de vestir e de calçar, detesto boutiques, não sigo a moda. As calças de ganga, saias, casaquinhos, T-shirts, casacos, blusões, sapatos, botas, ténis… duram e repetem-se por longos anos, até estoirarem, com grande pena minha, que, quando gosto, uso e uso e uso e fico triste quando já não dá para usar mais. Por isso tenho roupas repetidas, parece que ando sempre com o mesmo. Sou defensora do “vestir lavado” e não do “vestir a moda”. Curioso se torna quando a moda, por ser cíclica, vem ao encontro da minha forma de vestir e calçar. É um ver de senhoras com botas por cima das calças, as mesmas que me diziam: “- Não gosto de te ver assim!”, e o cabelo??? Ui… “Acho que exageras nas tuas madeixas laranjas… são bonitas e até ficam bem com o tom acobreado que tem o teu cabelo, mas…!”.

Hoje de manhã… fui eu que olhei para as madeixas. Gosto delas, muito até! Então, por que raio me preocupo em questionar se serão adequadas à minha idade? E a ganga justa? E o despenteado? Eu que sempre detestei o alinhado, o simétrico, o certinho.

Pergunto-me qual será a cor predominante do meu cabelo. Branco?

Pensamentos do dia: “Espero que as minhas tintas não se esgotem! E que, por ser mulher, não fique careca!... Um dia farei uma plástica!”

14 janeiro 2007

Sem Destino



Foto: minha autoria




Hoje quereria ir à deriva. Agarrar em mim, preparar-me de ténis, mochila às costas, elástico para o cabelo, aparelho de música… manta… uma manta grossa, tipo tapete, para que, nas paragens que fizesse em sítios bonitos e calmos, cheios de chilreios e adivinhação, me deitasse deleitada com tudo o que sentia. Um bom livro para as paragens da escrita… ah, um cadernito e caneta, claro.

Hoje quereria olhar o mar. Agarrar em mim, vestir um camisolão grosso, calçar umas botas, olhar na mochila o meu aparelho de música e os cigarros, rebuscar o cadernito de notas e caneta e ir a uma praia de mar revolto, mas sereno na distância.

Hoje não quereria ir a lado algum, mas gostaria de estar contigo entre risos. Olhar o teu rosto e respirar fundo o sorriso do amor. Agarrar tua mão e caminhar por entrelaçar de dedos. Fugir sabendo que rápido me alcançarias - que não quereria estar muito tempo longe de ti - trepar teu corpo em cavalita, para te abraçar, enquanto em exagerado protesto me segurasses na caminhada.

Hoje, iria a qualquer lado, se nos teus olhos sentisse o quentinho da felicidade!

13 janeiro 2007

Perguntinha



Foto: de minha autoria




O Sol invadiu o meu sono.

Faço cálculos complicados em busca do dia da semana, se falhei alguma coisa enquanto dormia. Hoje é… sábado!!! e neste não trabalho. Revejo a situação. Certinho! Não tenciono abrir os olhos, não queeeeeeeero!, preciso descansar. Vá lá Solinho, só mais um pedacito. Afinal não trabalho… aiiii, grrr.

Vozes alteradas irrompem pelas paredes. Os vizinhos discutem em gritos e choros e acusações e silêncios.

Levanto-me tropegamente triste. Apetece-me dizer-lhes para terem calma, que se amam, olhem as crianças… e o Sol lindo que se apresenta em fim-de-semana? Hein? O mar que se adivinha forte e lindo, pejado de surfistas ansiosos?

Dói-me a cabeça!

Os choros chegam betonados. Choro também, silenciosamente, que não quero que me oiçam. Que raio de forma de acordar.

Mando-me em braços abertos para cima da cama, olhos postos na janela de sótão. Que mundo desajustado!!?!, parece uma roda dentada fora de sítio... Se lhe dessem um pontapezito talvez engrenasse.

Foi aqui que parei em saudades imensas de uma rosa a enfeitar a cesta larguíssima do pequeno-almoço. Foi também aqui que chorei compulsivamente, em enorme luta interior entre o chora e não chora, com o chora a ganhar por largas lágrimas.

Primeiro pensamento “lúcido” do dia: “- Ter saudades de coisas significará termos saudades de nós?”

01 janeiro 2007

Quase Meia-Noite

Foto: De minha autoria

Dou conta de que a minha passagem de ano foi calma. Nada de fortes bateres do coração. Nada de ansiedades, nada de lágrimas. Terá sido a imensa constipação? Ou a idade e os imensos estalos da vida (ui… que dramática) me tornaram mais calma? Logo a mim, que adoro exaltações…

Este ano não aconteceu a despercebida escapadela a um cantinho qualquer para, longe de olhares, em silêncio, gritar o meu desejo: “Felicidadeeeeeee”. Todos os anos o mesmo desejo… “FELICIDADEEEEEEEEEEEEEE”. No cantinho onde me escondo, de rosto e mãos crispadas, como se a força com que cerro as mãos e os olhos me realizassem o único desejo que pretendo – felicidade, enquanto rodeadas de brilhos estrelares as imagens das pessoas que amo desfilam entre as pálpebras e as órbitas, todas elas enfeitadas de sorrisos lindos que me fazem também sorrir.

Nada! Este ano nem triste nem alegre estive… foi normal o meu sentir, sem saudades, sem desejos, sem quereres, sem imaginar o presente, sem querer saber do futuro.

Mas estive bem! Com o meu lindo e adorado filho, que só foi ter com os amigos depois de me dar beijinhos e me desejar um feliz ano novo, e com a minha grande amiga e vizinha e sua querida filha.

Meia dúzia de passos após os 15 minutos da meia-noite, zás, estou em casa. Sem ratinhos, abóboras e com ambos os pés calçados. Serenamente.

Não fui ao meu quintalinho, de cigarro em riste e copo de Asti a borbulhar. Não olhei o Céu, a Lua, as estrelas… não coloquei a minha gasta musiquinha que invade pacientemente o meu cantinho ao ar livre. Não tracei as pernas por cima da mesa verde desbotada, nem me recostei na cadeira plástica… nem sequer deitei a cabeça para trás, como quem aguarda que um ser superior qualquer se lembre de abençoar seu rosto. Nada!!! Nem um suspiro ou um aconchego.

Mas estive bem! Repito, podem acreditar… mesmo bem! Com um ligeiro temor impensado, alguma estranheza de meu rosto não molhar, diria que com uma certa felicidade… pacífica… isso mesmo… uma felicidade pacífica recheada de alguma desconfiança e espanto.

É que nem sequer o portão das minhas ansiedades, que espero emoldure um dia um rosto de príncipe encantado, eu olhei.

Deve ser da medicação, dos anti bióticos, anti histamínicos, anti inflamatórios… com tantos anti devo ter ficado anti Eu. Só pode!

Aguardo o fim das tomas medicamentosas com alguma curiosidade. Imagino-me esbaforida, a correr desenfreada, em saltos a tudo que se interponha entre mim e o meu quintalinho, num corte de meta imaginário, a espalhar cigarros pelo chão húmido de tijoleira, enquanto me apercebo que nem se ouve a música, nem tão pouco tenho cinzeiro e, já que tenho de regressar a casa… um copito de qualquer coisa dava jeito… e as passas, as passas… as famosas passas que podem ser sultanas, ou nortanas, que sempre fui desnorteada, pouco importa… mas rápido Teresa… que, mesmo sendo 4 de Janeiro, é quase meia-noite.