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22 julho 2007

Magoonífico

Foto: retirada do perfil de magoonífico (sem sua autorização, aiaiai)

Nota: (assim que eu conseguir: ponho a musiquinha em causa, hihihihihi)

Falam os esquecidos das gerações mais novas… Em todos os tempos o maldizer abate-se, sem dó nem piedade, sobre os sorrisos largos dos mais novos e repete-se, qual maldição impossível de travar. Para mim tudo se trata de dor de cotovelo… É que, nessa altura - a da JUVENTUDE FÍSICA E PSÍQUICA – a quase tudo nos permitimos e é chato começarmos a sentir limitações, que são mais que muitas, se são!

Os Cotas, os Velhos, o Pai e a Mãe, são uma “ganda” seca, uns bota-de-elástico, uns pessimistas moralizadores a quem se esconde grande parte do que realmente se é e faz. E para quê contar? Há que poupá-los… E acabam por se "poupar" ambos.

Pois é... os mais velhos também escondem aos filhos, sob a capa de adultos conscientes, a parte “negra” da outrora juventude. É assim como se tivessem nascido já adultos… Faço-me entender? A eterna imagem do bem fazer, do bem escolher, do correcto, do não errar, do pensar no futuro, do nunca ter presente…

Pela minha parte, tentei sempre, de forma gradual e com a percepção do “tempo certo”, sentar o meu filho à minha frente e conversar com ele, contar-lhe as imensas “asneiras” que sua mãe viveu. Faço-o sempre com o intuito de que me conheça verdadeiramente e jamais com a intenção de que não viva as suas próprias experiências. Relato o meu passado com cores de jovem, de forma leve e alegre e tento que perceba que a juventude tem tanto de efémera quanto de eterna, mas que há coisas que se vive e que têm um tempo próprio – o da descoberta, o do corte do cordão umbilical. E é bom ver o olhar dele abrir-se desmesuradamente em sorrisos de agradecimento por partilhar o belo e o menos belo de mim. Jamais senti a minha capa de mãe adulta cair, ao contrário. Sem o ter premeditado, oiço-o a ele contar-me coisas incríveis, coisas que a maior parte dos pais quer desconhecer. E toco-lhe ao de leve na face e sorrio também e apenas digo que viva, com cuidado e em respeito, por si e pelos outros e que se lembre sempre de mim. Sei que nem tudo me contará… é justo! Nem eu a ele.

Toda esta lenga lenga para quê?

Só para dizer que as lágrimas escorreram pelo meu rosto quando, pela enésima vez, abri o blog de um jovem amigo bloguista e me deparo com uma música que lhe havia mandado – Samba de Flora, de Airto Moreira.

Não é que aquele jovem - que consegue ter algum tempo para visitar o meu blog de cota e até me ordena que escreva - “postou” a musiquinha que tanta vez danço??? A tal que lhe mandei e que, mal cliquei no enter, tremi de incontrolável desejo de ser mosca, voar até Compostela, só para perceber se gostava, se a minha musiquinha era do seu agrado, se se sentava na sua varanda a reproduzir alguns sons da mesma.

Ele bem que me tinha dito da possibilidade de a postar no seu blog, mas eu não acreditei, nem deixei de acreditar… mandei somente, com a esperança de que gostasse. E lá está… e toquei no play, assim como para ter a certeza, através do som, de que estava a ver bem. E chorei, de alegria e reconhecimento, e dancei de alegria e reconhecimento, e fiz uma vénia incrivelmente dramática àquele jovem estudante, na flor da idade, cheio de irreverência e sonhos, onde percebo uma boa dose de consciência e responsabilidade. Ao jovem que reporta vivências lindas, que escreve sobre filmes e música, sobre os amigos e namorada, sobre política e sentimentos e através de ruas desconhecidas, iluminadas por candeeiros, me faz entrar em tascas, provar comezainas e beber boas pingas. Um jovem que me faz sentir na pele o meu passado em Coimbra, onde, sem sempre me dar conta, lutei pela minha liberdade e sanidade mental, tive amigos incríveis, partilhei quarto, fingi estudar, vivi a noite em bebedeiras de caixão à cova, saí pelas ruas, também elas estreitas, mascarada de homem, só para não destoar do pessoal masculino da República Baco que comigo partiam em busca do desconhecido. Um jovem que escreve bem, mesmo quando usa calão, que tem humor, adrenalina, desejos e se parece repartir em mil e uma coisa. Um jovem que tem um blog espectacular que me faz sorrir na sua leitura e que poucas vezes me atrevo a comentar, ora por falta de conhecimentos, ora por medo de ser uma intrusa, uma cota, que não esquece a sua conturbada juventude e reconhece não gostar de o ser.

Pois é… que sensação agradável a de me sentir dentro do seu jovem blog.

A ti Magoonífico… com imenso respeito, te agradeço.

21 julho 2007

A Uma Linda Camélia.



A vidraça da janela acachapou-lhe o nariz. Levantou a mãos e colocou-as uma de cada lado do rosto obrigando as bochechas a aproximarem-se dos cantos dos lábios, em forma de beijo colado ao vidro. Torceu os olhos.

“- Olá pessoas más.” – pensou, o mais rouco e grotescamente que pode.

De seguida, inclinou o rosto solto sobre o ombro esquerdo e fez o seu sorriso gaiato.

“- Bom dia pessoas boas.” – disse, em tom mimado, enquanto abanava as mãos em forma de saudação.

Olhou o Céu e mandou um beijo, repleto de carinho e saudades.

“- Zela por mim, pleaseeeeee. Vejo o teu sorriso adorado… amo-te amiga minha.”

Ligou a pequena aparelhagem e foi directa à música número catorze.

“- Para ti, querida amiga.”

E logo o som perfeito do piano se fez sentir.

“- Have I told you lately that I love you????” – cantou ao mesmo tempo que o cantor.

Sabia ser uma das canções que sua amiga adorava, ainda que esta versão não fosse do Rod Stewart… Tinha a certeza de que ela gostaria muito mais desta, cantada pelo Van Morrison.

Balançou o corpo, enquanto a mão esquerda se elevou ligeiramente e a direita tocou o estômago, em forma de dança.

Rodopiou suavemente, arrastando os pés naquela sua maneira tão típica de quem inventa o que não sabe.

Mandou-se para cima da cama, fechou os olhos e, de braços abertos, sentiu o seu corpo voar até se misturar nas nuvens.

O riso da sua amiga ecoou pelas paredes do sótão e, sorrindo, perpetuou a sua imagem por entre sorridentes lágrimas.

16 julho 2007

Caminhos Cruzados







Foto: de minha autoria









Vi uma ciganita, tinha ombros caídos e olhos de água. Sob o corpo frágil uma miscelânea de roupa branca e preta e nos pés uns soquetes brancos apareciam por todo o lado das abertas sandálias. O cabelo comprido estava apanhado em rabo-de-cavalo. Ao seu lado, também sentado, um bonito homem da mesma etnia, cabelo muito escuro, penteado com gel ou cera, manuseava CD’s que retirava de um gigante saco de plástico depositado a seus pés. As vestes do homem eram escuras, como a tristeza e silêncio que percebi em ambos.

Olhei-os de soslaio. Enquanto ele guardava os Cd’s no saco, ela fixava o olhar e, ainda que de olhos semicerrados, eu vi-lhe o desgosto escorrer até o chão escuro e sujo da estação onde aguardávamos o comboio.

De súbito, o homem baixou o rosto até o colocar entre as mãos vazias. Logo ela abriu os olhos e, em terno abraço, percebi-lhe o consolo. Os dedos finos passeavam por entre os fios de cabelo dele até chocarem com as lívidas faces, onde permaneciam por breves instantes, em carícia, depois retomavam o passeio.

Ouvi sussurros, vi abanos de cabeças de outras gentes que os olhavam. Alheios - ou talvez habituados – ao que os rodeava, o casal continuava a sua manifestação de desalento e força.

Um leve sorriso no rosto dela e a tristeza, que lhe lera pouco antes nos olhos, a dar lugar a um brilho de certezas. Daquele corpo frágil escapava um imenso carinho. Então ele levantou o rosto e olhou-a. Não sei que olhar terá feito, porque o meu se desviou aflito, na tentativa de evitar um choro.

Assim que me recompus, atrevi-me a olhá-los de novo e já ele segurava o rosto dela, em suaves festas, até se abraçarem e me deixarem completamente de rastos.

Vários pensamentos, em atropelo, despoletaram em mim.

Quantos de nós existem, vindos de fracas possibilidades, com um destino marcado ao primeiro respiro e seguimos caminhos delimitados por uma sociedade preconceituosa e cruel?! Quantos de nós têm a coragem de perceber que a dor existe em qualquer ser, bem como a alegria, a ansiedade, a revolta, o desejo, o mau, o bom, o feio e o belo?… E quantos de nós percebem que somos simples bolas tiradas de um grande saco, onde a sorte de se ser branco nada tem a ver com sentimentos e lugares pré-adquiridos na vida?

Percebo que continuarei o trajecto que me coube sem ter certezas de nada e muito pouco entender, ainda assim, creio que determinados actos emergem do ser humano, condicionados pela educação, raça, meio envolvente e, se a tudo isto juntarmos um gene qualquer que lhe confira coragem, inteligência, positivismo, tolerância e uma boa dose de capacidade em aceitar a mudança, pode ser que não obtenhamos o ideal humano, mas decerto encontraremos seres que marcam a diferença, porque não acomodados a estereótipos e jamais vencidos pela ignorância.

Partes da minha infância e adolescência, passeia-as a imaginar-me cigana. Os ciganos eram o sinónimo da liberdade, o contínuo aroma a flores silvestres, urze, terra, cheiro a Sol e a canto. Era o amarelo de Van Gogh em paisagens de espigas pisadas em correria, ou o verde dos prados selvagens, carregados de orvalho. Eram os chapéus negros a perpetuar a tez morena, o dormir ao relento sob um Céu protector, o andar orgulhosamente descalça.

Aos poucos adoptei as saias compridas e rodadas, os cabelos longos, as imensas argolas que me rasgavam os lóbulos das orelhas e, porque era muito morena, a identificação tornava-se possível. Sonhava com a minha mãe cigana que, ao contrário da minha verdadeira mãe, não tinha olhos azuis e muito menos cabelos loiros.

Um dia, ao passar por um jardim lisboeta, duas ciganas tolheram-me o caminho e, agarrando-me nas mãos, leram-me a sina. Deixei, sem medo ou quaisquer relutâncias, feliz. Da leitura recordo apenas um vaticínio.

“- Vejo a letra A… é a letra de um nome cigano. Um dia vais conhecer o homem que tem esse nome e casarás com ele… serás finalmente feliz!”

Nada disto me pareceu estranho, pelo contrário, tinha a certeza desse dia e com ele, o fechar finalmente de um ciclo de vida, com o meu regresso às origens.

Essas manias passaram com o tempo, sobretudo com a terrível constatação de que eu era a cara chapada da minha mãe sanguínea, ainda que versão morena. O respeito pela etnia cigana continuou, até entender que se estendia a quaisquer raças. Sou mais feliz assim. Não entendo separatismos, choca-me a burrice da catalogação.

Ao meu filho tentei transmitir que o verdadeiro ser é aquele que usa, acredita e aceita a visão do sentir e só depois percebe as cores como seu complemento. Ensinei que o menor pode ser maior e vice-versa, que não é importante vivermos em maioria, mas antes entender a sua fragilidade ou força. Tentei incutir-lhe a coragem da diferença, o não receio de estarmos sós nas nossas crenças e filosofias, que errar só é importante quando fingimos disso não nos darmos conta, não pedimos desculpa, ou tão pouco nos emendamos.

Transmiti-lhe que o amor chega em força de um abraço sentido, um abraço do tamanho do mundo com a força da nossa consciência. Sobretudo, transmiti-lhe que pequenos desvios, ao longo do tempo transformam-se em grandes distâncias onde nos podemos perder irremediavelmente.