Foto: Minha autoriaJá me via rodeada de paparazzis e em entrevistas vazias, após me ter sujeitado a make ups, vestida pelo Tenente ou João Rolo e penteada pela Lúcia Piloto. Imaginava as bancas dos quiosques enfeitadas de meu rosto, nos jornais e revistas depositados a molho ou pendurados com molas em expositores de ferro, as mãos das pessoas a manusear as folhas, até me encontrarem, lerem e criticarem - a fazer lembrar o “ovo de Colombo”.
“- Apre… saiu-lhe a sorte grande, à gaja… e por tão pouca coisa… sim que qualquer um fazia o que ela fez…”
OU
“- Ganda cena man. A cota teve uma 'baita' sorte. Bué da guita mano… Tá-se... Yaaaa... fui!!!”
Logo abaixo das brutais parangonas o meu rosto, primeiro, sereno, em candura e intelectualidade, alguns meses depois, com as mirabolantes especulações, em transe de terror.
Sentei-me no chão, de olhar perdido por entre as amarelas paredes, o pensamento a escorrer ao sabor do leite com café e do pão com manteiga.
“- Connosco temos a incrível cientista que revolucionou a comunidade científica. Pois, diga-nos… quanto tempo se dedicou a esta milagrosa experiência? Em que pensava quando fez a descoberta?, obviamente, que sabia o que pretendia?!!Os custos? Até que ponto alterou a sua maneira de pensar e viver?... Os vizinhos, falam-lhe da mesma maneira? Costumam bater-lhe à porta? Mas… diga-nos, como se lembrou de tal? Se fosse hoje voltava a fazer o mesmo?... Que tenciona descobrir mais?”
E eu, envergonhada, a lembrar-me que tinha acontecido nesta manhã de sábado, ao acordar estremunhada com o som medonho das máquinas de corte de relva e do ‘ta ra plin plin’ da recepção de mensagens no telemóvel - que se manteve ligado a aguardar notícias do rapaz. Eu, ainda a sentir a dificuldade em sair da cama, após uma noite mal dormida, e o esforço em equilibrar os ossos pelas escadas, até à cozinha - onde estou, sentada no chão a tomar o pequeno-almoço.
Eu, a contar como uma ligeira dor de cabeça ameaçava o meu querido sábado e o estômago me pedia alimento. A explicar o meu ritual matinal - a forma mecânica de virar a almoçadeira, de segurar no copo de água, abrir a embalagem de cecrisina e retirar uma pastilha, que deposito no fundo daquele e encho de água. Os dois passos até à bancada, onde a embalagem de leite me aguarda, o regresso já com aquela aberta, o deixar algumas gotas brancas escaparem-se, enquanto continuo a ouvir o ruído da pastilha a dissolver-se e encho a almoçadeira de leite. O corte do pão, o levantar da tampa da manteigueira, a dificuldade daquela pasta amarela em se espalhar pelas fatias finas, que se esfarelam e me fazem crescer água na boca. O não resistir a trincar uma delas.
Eu, a levantar a mão direita, para lhes mostrar qual a que retira o frasco de café - deitado numa grelha de ferro vermelha, pendurada ao armário, bem ao nível dos meus olhos - a levantar a mão esquerda para lhes explicar que troco o frasco de mão, a fim de o abrir e dele retirar duas colheritas de grãos escuros.
“- Olhei o copo de água, onde uma réstia de rodelinha de vitamina C se percebia, no entanto, o líquido mudava a sua cor laranja para castanho. Ainda tentei, com a colher, retirar os grãos que boiavam e colocá-los no leite, mas as bolhinhas de gás alaparam rápido, trocaram de posição e a mistura aconteceu. Em cima daquele castanho borbulhento uma ligeira espuma de café, a lembrar uma bica tirada numa máquina expresso…" – oiço a minha voz a chocar com o ar incrédulo dos entrevistadores.
" - E foi só! Não me atrevi a provar porque receei ter inventado uma droga qualquer, que ao ingerir me fizesse bater com a cabeça no teto da cozinha, mas vendi a patente a uma conceituada marca de café…” - a minha quase inaudível voz a tentar dizer algo.
" - Ahhh... E fiquem já a saber que se não tiverem calda de tomate para fazer carninha à bolonhesa, não adianta substituí-la por marmelada." - remato, finalmente, só para cortar o silêncio.
O pequeno-almoço terminou, com o meu riso a ecoar no amarelo mais vivo das paredes da cozinha. Em equilíbrio de pires e almoçadeira, levantei-me do chão.
De dia para dia a minha loucura e distracção avançam a passos largos e o que vale é que ainda vou achando graça.