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30 dezembro 2007

Cavaleiro Andante



Foto: Minha autoria







De armas em punho, olhar gélido e coragem a enfeitar, surges por entre névoas de minha sombra e eu passo sem te olhar.

Má sorte, tua e minha. Por entre respirares, cruzados em breve momento, apenas uma leve brisa se fez sentir. Ouvi então o som cadenciado dos teus passos fortes e, percebendo o real dos meus sonhos, fechei meus olhos, com medo, mascarei-me com pozinhos de invisibilidade e deixei-te passar.

Segui então, com um sorriso triste e fraco, sem ti, sem mim e já sem sombra.



23 dezembro 2007

É Natal...

Nota: Esta "postagem" não tem direito a fotos e música.
Todos os anos…

Tento não lembrar esta quadra idiota, que nem respeito, nem desrespeito. Digo, a mim mesma, que não darei presentes a não ser aos sobrinhos, filhos e vizinhos, enquanto crianças. Prometo-me não sentir o frio da desolação tocar-me a alma, andando alegre e alerta para outras coisas que não sejam as deprimentes músicas natalícias, cheias de trinados e ferrinhos, ou os enfeites coloridos de luzes, a catrapiscar pelas ruas, árvores e fachadas de casas, por onde bonecos vermelhos fingem trepar. Recuso olhar as montras pejadas de apelativas prendas, cobertas de neve e bonequinhos de barro, ou os presépios onde adivinho uma criança nua, deitada em palhas. Pretendo saltar os dias da reunião familiar, onde se amontoam papéis e laços e sacos por entre as gargalhadas fartas dos meus sobrinhos. Assisto ao abandono dos despojos junto aos contentores do lixo. Vejo a ressaca das gentes, mais barrigudas e carregadas de olheiras, a fazerem adivinhar arrotos de sonhos, rabanadas e bacalhau com couves.

E todos os anos…

No meu refúgio, existem buraquinhos traidores que deixam passar as músicas e imagens patéticas, que me fazem doer bem fundo, me tornam em outra pessoa, me obrigam a feedback ridículo. Uma ou outra vez, sou apanhada desprevenida e, por breves segundos, oiço a ladainha de uma missa, que invade a minha sala, a minha casa e me derrota em angústia.

Acabo por sucumbir agastada de tristeza ao nada sentir de diferente. Chovem as mensagens, aparecem as prendas a lembrar a minha traumática teimosia em esquecer. Percebo que para muitos é realmente importante viver intensamente este louco festejo – o que me faz sentir ainda pior.


Algum dia…

A humanidade se lembrará de juntar todo este miserável dinheiro e dar-lhe um fim mais digno, como enviar à Unicef, à AMI, a qualquer instituição de solidariedade social, ou ONG?

Por que raio….

Compram tantos presentes, na maioria absurdos, mesmo sabendo que em Janeiro terão de apertar o cinto e lamentar a má sorte de não serem ricos?

Jamais…

Entenderei esta quadra, este fervor e/ou fingimento.

Vou continuar a fugir!

01 dezembro 2007

Um começar diferente...

Foto: Minha autoria

Já me via rodeada de paparazzis e em entrevistas vazias, após me ter sujeitado a make ups, vestida pelo Tenente ou João Rolo e penteada pela Lúcia Piloto. Imaginava as bancas dos quiosques enfeitadas de meu rosto, nos jornais e revistas depositados a molho ou pendurados com molas em expositores de ferro, as mãos das pessoas a manusear as folhas, até me encontrarem, lerem e criticarem - a fazer lembrar o “ovo de Colombo”.

“- Apre… saiu-lhe a sorte grande, à gaja… e por tão pouca coisa… sim que qualquer um fazia o que ela fez…”

OU

“- Ganda cena man. A cota teve uma 'baita' sorte. Bué da guita mano… Tá-se... Yaaaa... fui!!!”

Logo abaixo das brutais parangonas o meu rosto, primeiro, sereno, em candura e intelectualidade, alguns meses depois, com as mirabolantes especulações, em transe de terror.

Sentei-me no chão, de olhar perdido por entre as amarelas paredes, o pensamento a escorrer ao sabor do leite com café e do pão com manteiga.

“- Connosco temos a incrível cientista que revolucionou a comunidade científica. Pois, diga-nos… quanto tempo se dedicou a esta milagrosa experiência? Em que pensava quando fez a descoberta?, obviamente, que sabia o que pretendia?!!Os custos? Até que ponto alterou a sua maneira de pensar e viver?... Os vizinhos, falam-lhe da mesma maneira? Costumam bater-lhe à porta? Mas… diga-nos, como se lembrou de tal? Se fosse hoje voltava a fazer o mesmo?... Que tenciona descobrir mais?”

E eu, envergonhada, a lembrar-me que tinha acontecido nesta manhã de sábado, ao acordar estremunhada com o som medonho das máquinas de corte de relva e do ‘ta ra plin plin’ da recepção de mensagens no telemóvel - que se manteve ligado a aguardar notícias do rapaz. Eu, ainda a sentir a dificuldade em sair da cama, após uma noite mal dormida, e o esforço em equilibrar os ossos pelas escadas, até à cozinha - onde estou, sentada no chão a tomar o pequeno-almoço.

Eu, a contar como uma ligeira dor de cabeça ameaçava o meu querido sábado e o estômago me pedia alimento. A explicar o meu ritual matinal - a forma mecânica de virar a almoçadeira, de segurar no copo de água, abrir a embalagem de cecrisina e retirar uma pastilha, que deposito no fundo daquele e encho de água. Os dois passos até à bancada, onde a embalagem de leite me aguarda, o regresso já com aquela aberta, o deixar algumas gotas brancas escaparem-se, enquanto continuo a ouvir o ruído da pastilha a dissolver-se e encho a almoçadeira de leite. O corte do pão, o levantar da tampa da manteigueira, a dificuldade daquela pasta amarela em se espalhar pelas fatias finas, que se esfarelam e me fazem crescer água na boca. O não resistir a trincar uma delas.

Eu, a levantar a mão direita, para lhes mostrar qual a que retira o frasco de café - deitado numa grelha de ferro vermelha, pendurada ao armário, bem ao nível dos meus olhos - a levantar a mão esquerda para lhes explicar que troco o frasco de mão, a fim de o abrir e dele retirar duas colheritas de grãos escuros.

“- Olhei o copo de água, onde uma réstia de rodelinha de vitamina C se percebia, no entanto, o líquido mudava a sua cor laranja para castanho. Ainda tentei, com a colher, retirar os grãos que boiavam e colocá-los no leite, mas as bolhinhas de gás alaparam rápido, trocaram de posição e a mistura aconteceu. Em cima daquele castanho borbulhento uma ligeira espuma de café, a lembrar uma bica tirada numa máquina expresso…" – oiço a minha voz a chocar com o ar incrédulo dos entrevistadores.

" - E foi só! Não me atrevi a provar porque receei ter inventado uma droga qualquer, que ao ingerir me fizesse bater com a cabeça no teto da cozinha, mas vendi a patente a uma conceituada marca de café…” - a minha quase inaudível voz a tentar dizer algo.

" - Ahhh... E fiquem já a saber que se não tiverem calda de tomate para fazer carninha à bolonhesa, não adianta substituí-la por marmelada." - remato, finalmente, só para cortar o silêncio.

O pequeno-almoço terminou, com o meu riso a ecoar no amarelo mais vivo das paredes da cozinha. Em equilíbrio de pires e almoçadeira, levantei-me do chão.

De dia para dia a minha loucura e distracção avançam a passos largos e o que vale é que ainda vou achando graça.