As gotas de chuva fustigam as telhas e janelas do meu sótão, feito de pedaços de mim. Pequeninas imagens desvanecem-se por entre lembranças ainda menores.
Meu alento, transformado em torpor, dorme ainda sem sorrisos gaiatos, sem forças, sem vontade.
Toca-me a nostalgia e não resisto em deixar-me levar por entre esse estado cheio de perigos.
Estamos quase no dia de finados, dia de visitar os cemitérios e embelezar as sepulturas com flores várias. Logo de manhã a criançada grita o “Pão por Deus” enchendo os saquinhos de doçarias e moedinhas. Ouvem-se os gritos das gargalhadas, o bater às portas, mais forte que o usual, as correrias.
Não me recordo de bater às portas de alguém, relembro apenas a minha avó e tios a encherem o meu saquinho de pano com rebuçados, castanhas e bolachinhas.
Hoje a chuva fustiga o telhado do meu sótão, e embala-me a nostalgia. Ao tempo, a chuva fustigava minha alma menineira e embalava-me o medo do que não entendia.
Quase não tenho saudades de ser criança e as que tenho vêm cheias de solidão, de pensamentos solitários, de olhares inocentes e cantorias sob o baloiço veloz, de olhos fechados, para não sentir vergonha de ser ouvida, tal era o desejo de que tal acontecesse.
Gozo de um sossego em solidão… hoje!