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14 outubro 2013

(Quase) Às Portas da Prisão


Sigo! Não posso ficar!

Dormi? Terei conseguido? Não o suficiente, que sinto as pálpebras fecharem.

Esperem… Estou lembrada de embater no meu filho, algures, por entre névoas.

Estava onde?

Que importa?

             A cabeleira cai-me para o rosto, enfiam-se finos cabelos nos olhos 
e não consigo tirá-los. 

Os meus cabelos estão cheios de electricidade estática.

Estática... Deixem-me rir. 
Estática sinto-me eu, que tenho os pés gelados, o nariz quase a cair e não sei se com estalactites. Os olhos, ao contrário, ardem que nem achas na fogueira, com fumo e tudo.

E é com este aspecto que terei de olhar os “monstros” sedentos de documentação.

Estou empedernida!

Quero um Guronsan, pleaseeeeee…

O café terá deixado de fazer efeito? Já tomei um no leite, mal coloquei o esqueleto fora da cama - tipo zombi.

“- Sai um galão de máquina com leite frio” – diz o empregado , esboçando um sorriso ao ver-me entrar de rompante na pastelaria, quase a estatelar-me ao comprido no final dos três degrauzitos.

“- Tipo bomba” – acrescento eu, a experimentar a voz ainda adormecida e corando de vergonha, com a sonante espalhafatosa e desajeitada entrada.

E foi o que foi.
O chapéu-de-chuva prendeu-se no saco; o saco enredou-se na alça da mochilita; as luvas, com dedos a sobrar e sem tacto, esmurraram o copo do galão:

COM ÊXITO.

E eu a tentar segurar tudo, por entre sons PNI (Perfeitamente Não Identificáveis):

SEM ÊXITO.

E... zás, bem na minha frente, o evasivo copo cai, sob o meu olhar horrorizado, escorrendo o meu rico galão bem por cima das botas de um polícia que, com um colega, ali se encontrava a beber a sua biquita.

ESTOU INOCENTE!!!! JURO!!!

Pensei dizer - com ênfase e tudo. 
Mas não estou!
 Tinha sido minha culpa, mesmo minha e, para cúmulo, sai-me um longo e sibilado 
“- Upsssss…”,
 assim como se em vez de ter sujado as botas engraxadas do senhor agente, estivesse a jogar um bubbles com ele e lhe tivesse dado uma grande “sova” e ainda usasse de sarcasmo. 

“- Upssss…”

Com ele a fixar-me, por detrás das lentes escuras dos óculos (decerto incrédulo), quando deveria olhar as botas e delas não desviar o olhar, de forma a permitir-me a fuga (a sete pés), até entrar espavorida no comboio, já em andamento e com as portas a fechar, enquanto o chui - a gritar e gesticular - corresse ao longo do comboio, mas fora dele, claro.

Com direito a tiros para o ar e tudo.

E o meu comboio que não chega aiaiaiaiaai.

Tenho a certeza que vê em mim algo de estranho. Ao olhar este rosto de ar esgrouviado e macilento de olhos vermelhos e alucinados:

uma possível marginal.

Por isso, até pode puxar do cassetete e dar-me com ele no meio dos olhos e segurar-me pelos cabelos (à tempo da pedra) e arrastar-me até à pildra.

POR OUTRO LADO, vê alguém com saco e mochila, que tem um ar lavado e perfumado, que lhe retira a marginalidade -, ainda que o esgrouviado fique.

Por fim, digna-se pousar a chávena do café enquanto diz:

“- Não tem importância.”

Como possuo uma imaginação fértil, até lhe coloco um leve sorriso nos lábios, mas adivinho-lhe nos olhos faíscas, raios, granadas, bazucas, chaimites, sei lá… até tubarões de bocarra escancarada e, por instantes, nem um dedinho me atrevo a mexer, até que me retiro em câmara lenta, de marcha à ré – que não quero ser morta pelas costas – resistindo à vontade de puxar de guardanapos, me ajoelhar e limpar-lhe as botas, com medo de nelas esbarrar o nariz.

Já no comboio, em desassossego completo, pouso toda a tralha causadora do incidente (afinal não fui eu hihihi), recosto-me na cadeira, estico as pernas e esforço-me para não rir às gargalhadas, que com a minha sorte algum dos viajantes poderá ser do Júlio de Matos e entre este local e a prisão… não sei o que prefiro.

Uma coisa é certa… melhor que a cafeína, só mesmo a polícia para me acordar!


13 outubro 2013

Falta de jeito



P’ra versos não tenho jeito
Não nasci p’ra versejar
A prosa surge-me a eito
É quase como falar

A rima não me sai bem
E não é que pouco tente
Faça-os quem jeito tem
Conquanto diga o que pense

Leio e releio a poesia
Pasmada, cheia d’encanto
Se pudesse eu a faria
Não tenho jeito p’ra tanto

Arte, engenho, inspiração
Uns têm em demasia
Sem fortuna sou então
De a ter eu gostaria

Não somos todos iguais
Desculpo-me eu a preceito
Imagino-os geniais
Faça-os quem tenha jeito

Fico até um pouco triste
Que raio por que não eu?
A pena eu ponho em riste
Nada sai de muito meu

No entanto até é fácil
Pelo menos quando se lê
Métrica?,  é toda táctil
O resto logo se vê

Paciência não me falta
Nada tem a ver com treino
Parece tudo estar em alta
É mesmo questão de jeito

Simples mortal eu serei
Em busca do que me anime
Só alguns podem ser rei
Duma arte tão sublime

Rendo-me, não tenho musas
Talvez nunca as venha a ter
Tenho imagens difusas

Desisto de as escrever!