Uma
Crónica na Primeira Pessoa
Grupo, mais ou menos aberto,
com sócios baldas e lapas dispostas a ir até ao fim do mundo.
Objectivo: Conhecer as
tascas e tabernas de Portugal (por enquanto).
1ª
Tasca: “Esquina da Fé” – 25 de Janeiro
Presentes: Eu, Sarita,
Compadre Duarte, Paula, Miguéns e Rute.
O que verdadeiramente
interessa, nestas incursões inventadas, é a diversão, o convívio amalucado,
regado com larachas, risos, cumplicidades de olhares agaiatados, constantes
partidas, mas também, escutas interessadas de palavras a sair em desabafos,
conversas de remar contra as marés, pedidos de desculpa e de compreensão,
acusações, catarses subliminares gritadas em silêncios, mas a pairarem nos
ares, prestes a rebentarem e só travadas pela boa onda que o pessoal possui.
Faz parte o caminharmos,
tirar fotos (para avaliação em concurso, lá mais para a frente).
Nesta noite de frio e chuva
miúda pensou-se ainda em visitarmos o Hot Club ou outro bar afim.
Lá fui eu apanhar o comboio
até Lisboa. O frio húmido encrespou-me o cabelo, submetido à carapuça do blusão
(estilo esquimó), por isso, ao chegar ao Rossio – e porque nunca vejo um palmo
à frente do nariz - passei pelo Duarte e
Paula sem que eles me reconhecessem. Valeu-nos os telemóveis para percebermos
que estávamos à frente uns de outra. E foi o início da noite, em risadas e boa
disposição.
Rodeámos o Rossio, de luzes
taciturnas a brilharem entre galhos sem
folhas;
tirámos fotografias (mais ou menos à toa, falo por mim):
a bolas
de mármore plantadas em alguns passeios;
a arcadas; a sem-abrigo deitado sob
uma simples manta;
às luzes alaranjadas a vestirem as ameias do Castelo de São
Jorge; a bocas de incêndio magras e vermelhas (com e sem tampa);
a pedras de
calçada tão típicas desta cidade que amamos;
a pessoas que se adiantavam ao disparo
da máquina fotográfica.
Placidamente, trepámos a
avenida da Liberdade e abancámos numa esplanada, onde a música nos abraçou, ao
mesmo tempo que o radiador (dependurado no chapéu de esplanada) expulsava um
calorzinho com sabor a vermelho arroxeado.
Algumas fotografias e risadas
depois, apareceram a Rute e o Miguéns, já não a tempo de provar a saborosa
fatia de bolo de chocolate (azar!).
Às 20H: ala que se faz tarde e frio.
Combinámos com a Sarita que se dirigisse à taberna, a residir ali perto.
Virámos pela Rua das pretas,
1ª à esquerda, andar um pedacito, 1ª à
direita e lá encontrámos a Rua da Fé, colocada em descida abrupta, ladeada de
paredes antigas, com uma delas a engolir a nossa tasca. Após uns degraus e
passagem por um corta vento, continuámos por entre um longo balcão e umas mesas enfileiradas. Ao fundo: o nosso recanto de paredes com tijolo, xisto e madeira com
velatura esbranquiçada.
Logo à esquerda as nossas mesas
aguardavam-nos. Preparadas para 8 pessoas, apenas 3 delas tinham, sob a toalha
branca, pratos, talheres e copos. O Mika e a Olga faltaram ao evento. O motivo
deu pano para mangas de risadas. Segundo o compadre (que já se pronunciara na
nossa página “Arrota TT”):
“Kick-off é o mesmo que " pontapé no cu" mas mais fino....e
é o que os gringos fazem para pôr o pessoal a bulir! Enviado do meu Optimus San Remo”
A Sarita chegou pouco
depois, salva por um toque de telemóvel de uma mocita que assolara à porta da
tasca, bem no momento em que ela me ligava, fazendo-a olhar na direcção certa.
Foi assim que dei com duas desconhecidas a falarem animadas.
A sua chegada fez-se em
cumprimentos cheios de risos, já com estórias a serem contadas: a ida do
compadre à pequenina casa-de-banho da senhoras, a fechar a porta em fole e –
após passinhos de ballet para se virar no reduzido espaço, sem tocar na sanita –
a não entender o motivo do quase furinho a meio da porta, perfeitamente boleado, do tamanhinho de um dedo. Depois, teve de a abrir. Ao sair para o cubículo, encontrou a Paula a rir, por ter dado de caras (por
sua vez) com um urinol na casa-de-banho que restava.
.
Fotografias e mais
fotografias: às paredes, às molduras com recortes de jornais e notícias idosas;
aos espelhos, candelabros e lanternas, em ferro forjado;
ao fundo esquerdo da taberna,
ao centro e ao fundo direito, a desembocar em degraus encimados com tijolos de vidro;
à fotografia da Irene
Isidro (artista de teatro, já falecida – disseram-me depois); aos pratos e talheres dourados;
a nós e a eles; ao chão, que me relembrou a meninice;
a tudo.
No meu caso,
quase não se aproveitou nenhuma (tremidas, uffff) e matei a bateria, o que foi
uma grande chatice no futuro da noite, com tanto para gravar.
Foram pedidas 3 doses:
bacalhau à lagareiro, polvo à lagareiro e espetadas de tamboril e gambas, tudo
com batatinhas assadas e legumes, alguns jarros de tinto, a que precederam 2
dúzias de quentes croquetes, pão saloio com fartura, queijinhos, patês,
manteigas. No final, eu e a Sarita (que está cada vez mais bonita), comemos
uma fatia de pudim caseiro. O jantar foi uma delícia (eu ainda roubei umas
rodelas de polvo da mesa ao lado, só para provar).
O empregado (que creio ser o
dono) teve de ser placado para nos ouvir. Causa: possível, mas não apurada,
surdez. Só consegui apanhá-lo de costas.
O Miguéns, com o seu belo e
gabado “tele-inter-cyber-cristal-what do you wanna know– birth-astral”
aparelho, fez leituras de mapa astral do pessoal, sem conseguir evitar os
protestos ciumentos, ciosos de saber um futuro desconhecido, mas que se
pretende feliz. Ficámos a saber das 7 casas sobre Saturno, com cruzamentos de
Marte e de Vénus a saírem de órbita e a provocarem Júpiter, por sua vez, influenciado
pelos anéis magnéticos de Urano que achincalha – lá de longe – o Sol,
provocando-lhe contínuos desaparecimentos e inchaços de raiva na Lua que adora
estar na casa 31, dentro de uma tasquinha qualquer a presenciar os anseios e expectantes olhares de amigos barulhentos.
E perguntou-se
(indirectamente) pela solidão e (directamente) pelos filhos que tanto amamos e
piscámos os olhos e tivemos vontade (pelo menos eu) de roubar o dito aparelho e
fugir a sete pés.
Com tanta pergunta o tempo
passou e o Hot Club foi com ele. Pagámos cerca de 15,00€ por cabeça, o que
considerámos barato, despedimo-nos da asseada tasquinha e do seu dono com (repito, não
comprovada) surdez.
Entrámos na noite adentro,
com frio, mas quentes olhares pelo que esta maravilhosa cidade nos dá a
descobrir como nosso: igrejas, fachadas, casas com história. As calçadas foram
palmilhadas com pés doridos (estaremos a ficar velhotes?), em busca de um bar –
supostamente encalhado entre edifícios antigos, com entrada por um vão de
escada: Nada!
Virámos em direcção ao
Condes e entrámos no Hard Rock.
Trip completa!
Começo por dizer que “É CARO COM’Ó
CARAÇAS!”, mas que valeu a pena, valeu. Proporcionou consideráveis gastos de
energia, pelo menos a mim e ao Miguéns. Após uma visita rápida pelas imponentes
instalações de corajosas e megas decorações, sentámo-nos a uma mesa, num mini
palco, onde se encontrava o disk-jockey, ou melhor, o disk-pc, ou jockey-pc, sei
lá que nome dar-lhe. Por cima, um amputado carro, a sair da parede. Certo é que
a música esteve do melhor, com incursões (sobretudo) pelos saudosos anos ‘80s.
Claro que o corpo não se deixou ficar quietinho - pelo menos da cintura para cima.
Diferenças entre mim e o meu
amigo Miguéns, enquanto irrequietos dançarinos, cheios de bicho-carpinteiro: a
minha suposta dança, ainda que com ritmo, faz-se à toa, ao sabor de sentires
vários, somados a catrefadas de lembranças: um autêntico despir de alma (e
também de camisola); o Miguéns é a dança todo ele, a música disfarçada de
pessoa; o ritmo a ditar deixas teatrais; o rosto a transfigurar-se em arte
dramática e o corpo a lançar desafios entre o estático e as movimentações
repentinas, geniais e humorísticas. Ou seja: mim = a diamante brutalhado;
Miguéns = diamante super precioso e lapidado. As energias foram idênticas,
mostradas num dançar imparável. Mímica, mímica e mímica e gritos súbitos com o
nome dos cantores e grupos, a ponto do disk-qualquer-coisa se virar várias
vezes para nós e comentar: “Vocês sabem-nas todas… vão para a pista dançar!”. E
nós orgulhosos a aplicarmo-nos nas gavetas das recordações e a bebermos o único
copo de bebida que cada um pediu.
Já disse que é “CARO COM’Ó CARAÇAS?”.
Os restantes do grupo,
abanaram carolas, riram connosco, fizeram comentários, olharam para o lado
contrário ao nosso e, por isso, deram conta quando um grupo de empregadas do
Hard-Rock, fardadas, subiram ao nosso palco e - em movimentos mais ou menos
sincronizados - dançaram o “YMCA” dos
Village People, a que não faltaram palmadas nos próprios rabos. Tudo a fazer lembrar um bar americano, cheio de assobios de
cowboys, com tiros pelo ar a partir imensas garrafas de whiskies e esporas a
cravarem-se no chão. Como adorava ser novita e andar ali, pelo meio, a dançar e
a sentir-me uma estrela… Onde ia eu? Ahhh: a conta? Bem, o compadre perdeu a
cabeça e desapareceu diante agradecimentos silenciosos. Creio que queríamos
dar-lhe a hipótese de se arrepender, mas o nosso generoso e genuíno amigo
apareceu, sorridente e a balançar as ancas.
Saímos com a dose certa, a
gingar por entre mesas, e pessoas e pessoal da casa que, se não estiverem a ser
escravizados (filmes ou realidades a mais?), sobravam em simpatia e à-vontade.
De novo abraçámos a noite de
Lisboa, partilhámos os sorrisos e boa disposição e, já do outro lado da grandiosa
avenida, despedimo-nos, não sem antes relembramos a vontade de conhecer outra
tasquinha.
Que é assim como quem diz: estarmos juntos de novo!