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14 fevereiro 2014

Máscara



São tão tristes esses sentires da alma
Cheios de enganadores gritos mudos
Que gritam em silêncios tão surdos
A cegueira que se pretende calma

Então  as agruras ficam nos fundos
Mascara-se de alegre  o desamor
Alforroa-se com  grilhetas a dor
Silenciam-se os suspiros profundos

Se ser o que não somos é tão forte
Expliquem-me tamanho escondimento
Mais valia gritar sinceros gritos

Ofertar à  vida silêncios aflitos
Chorar alto o insane sofrimento

Que de tanto choro matasse a morte



P.S. - Foi já esta música referenciada (e hoje colocada) num post que escrevi no início da existência destes meus "Pequenos Mundos". Sempre que a canto ou oiço lembro a minha querida amiga Raquel e as saudades que tenho de nós. 

08 fevereiro 2014

Arrota TT - Esquina da Fé

Uma Crónica na Primeira Pessoa

Grupo, mais ou menos aberto, com sócios baldas e lapas dispostas a ir até ao fim do mundo.
Objectivo: Conhecer as tascas e tabernas de Portugal (por enquanto).

1ª Tasca: “Esquina da Fé” – 25 de Janeiro

Presentes: Eu, Sarita, Compadre Duarte, Paula, Miguéns e Rute.

O que verdadeiramente interessa, nestas incursões inventadas, é a diversão, o convívio amalucado, regado com larachas, risos, cumplicidades de olhares agaiatados, constantes partidas, mas também, escutas interessadas de palavras a sair em desabafos, conversas de remar contra as marés, pedidos de desculpa e de compreensão, acusações, catarses subliminares gritadas em silêncios, mas a pairarem nos ares, prestes a rebentarem e só travadas pela boa onda que o pessoal possui.

Faz parte o caminharmos, tirar fotos (para avaliação em concurso, lá mais para a frente).

Nesta noite de frio e chuva miúda pensou-se ainda em visitarmos o Hot Club ou outro bar afim.

Lá fui eu apanhar o comboio até Lisboa. O frio húmido encrespou-me o cabelo, submetido à carapuça do blusão (estilo esquimó), por isso, ao chegar ao Rossio – e porque nunca vejo um palmo à frente do nariz -  passei pelo Duarte e Paula sem que eles me reconhecessem. Valeu-nos os telemóveis para percebermos que estávamos à frente uns de outra. E foi o início da noite, em risadas e boa disposição.

Rodeámos o Rossio, de luzes taciturnas a brilharem entre galhos sem folhas; 


tirámos fotografias (mais ou menos à toa, falo por mim):

 a bolas de mármore plantadas em alguns passeios; 



a arcadas; a sem-abrigo deitado sob uma simples manta;


 às luzes alaranjadas a vestirem as ameias do Castelo de São Jorge; a bocas de incêndio magras e vermelhas (com e sem tampa);


 a pedras de calçada tão típicas desta cidade que amamos; 



a pessoas que se adiantavam ao disparo da máquina fotográfica.


Placidamente, trepámos a avenida da Liberdade e abancámos numa esplanada, onde a música nos abraçou, ao mesmo tempo que o radiador (dependurado no chapéu de esplanada) expulsava um calorzinho com sabor a vermelho arroxeado. 


Algumas fotografias e risadas depois, apareceram a Rute e o Miguéns, já não a tempo de provar a saborosa fatia de bolo de chocolate (azar!). 


Às 20H: ala que se faz tarde e frio. Combinámos com a Sarita que se dirigisse à taberna, a residir ali perto. 

Virámos pela Rua das pretas, 1ª à  esquerda, andar um pedacito, 1ª à direita e lá encontrámos a Rua da Fé, colocada em descida abrupta, ladeada de paredes antigas, com uma delas a engolir a nossa tasca. Após uns degraus e passagem por um corta vento, continuámos por entre um longo balcão e umas mesas enfileiradas. Ao fundo: o nosso recanto de paredes com tijolo, xisto e madeira com velatura esbranquiçada.



Logo à esquerda as nossas mesas aguardavam-nos. Preparadas para 8 pessoas, apenas 3 delas tinham, sob a toalha branca, pratos, talheres e copos. O Mika e a Olga faltaram ao evento. O motivo deu pano para mangas de risadas. Segundo o compadre (que já se pronunciara na nossa página “Arrota TT”):

“Kick-off é o mesmo que " pontapé no cu" mas mais fino....e é o que os gringos fazem para pôr o pessoal a bulir!                             Enviado do meu Optimus San Remo

A Sarita chegou pouco depois, salva por um toque de telemóvel de uma mocita que assolara à porta da tasca, bem no momento em que ela me ligava, fazendo-a olhar na direcção certa. Foi assim que dei com duas desconhecidas a falarem animadas.

A sua chegada fez-se em cumprimentos cheios de risos, já com estórias a serem contadas:   a ida do compadre à pequenina casa-de-banho da senhoras, a fechar a porta em fole e – após passinhos de ballet para se virar no reduzido espaço, sem tocar na sanita – a não entender o motivo do quase furinho a meio da porta, perfeitamente boleado, do tamanhinho de um dedo. Depois, teve de a abrir. Ao sair para o cubículo, encontrou a Paula a rir, por ter dado de caras (por sua vez) com um urinol na casa-de-banho que restava.
.



Fotografias e mais fotografias: às paredes, às molduras com recortes de jornais e notícias idosas; 


aos espelhos, candelabros e lanternas, em ferro forjado; 



ao fundo esquerdo da taberna, 



ao centro e ao fundo direito, a desembocar em degraus encimados com tijolos de vidro; 


à fotografia da Irene Isidro (artista de teatro, já falecida – disseram-me depois); aos pratos e talheres dourados; 


a nós e a eles;  ao chão, que me relembrou a meninice; 



a tudo. 

No meu caso, quase não se aproveitou nenhuma (tremidas, uffff) e matei a bateria, o que foi uma grande chatice no futuro da noite, com tanto para gravar.

Foram pedidas 3 doses: bacalhau à lagareiro, polvo à lagareiro e espetadas de tamboril e gambas, tudo com batatinhas assadas e legumes, alguns jarros de tinto, a que precederam 2 dúzias de quentes croquetes, pão saloio com fartura, queijinhos, patês, manteigas. No final, eu e a Sarita (que está cada vez mais bonita), comemos uma fatia de pudim caseiro. O jantar foi uma delícia (eu ainda roubei umas rodelas de polvo da mesa ao lado, só para provar).

O empregado (que creio ser o dono) teve de ser placado para nos ouvir. Causa: possível, mas não apurada, surdez. Só consegui apanhá-lo de costas.



O Miguéns, com o seu belo e gabado “tele-inter-cyber-cristal-what do you wanna know– birth-astral” aparelho, fez leituras de mapa astral do pessoal, sem conseguir evitar os protestos ciumentos, ciosos de saber um futuro desconhecido, mas que se pretende feliz. Ficámos a saber das 7 casas sobre Saturno, com cruzamentos de Marte e de Vénus a saírem de órbita e a provocarem Júpiter, por sua vez, influenciado pelos anéis magnéticos de Urano que achincalha – lá de longe – o Sol, provocando-lhe contínuos desaparecimentos e inchaços de raiva na Lua que adora estar na casa 31, dentro de uma tasquinha qualquer a presenciar os anseios e expectantes olhares de amigos barulhentos.

E perguntou-se (indirectamente) pela solidão e (directamente) pelos filhos que tanto amamos e piscámos os olhos e tivemos vontade (pelo menos eu) de roubar o dito aparelho e fugir a sete pés.

Com tanta pergunta o tempo passou e o Hot Club foi com ele. Pagámos cerca de 15,00€ por cabeça, o que considerámos barato, despedimo-nos da asseada tasquinha e do seu dono com (repito, não comprovada) surdez.

Entrámos na noite adentro, com frio, mas quentes olhares pelo que esta maravilhosa cidade nos dá a descobrir como nosso: igrejas, fachadas, casas com história. As calçadas foram palmilhadas com pés doridos (estaremos a ficar velhotes?), em busca de um bar – supostamente encalhado entre edifícios antigos, com entrada por um vão de escada: Nada!
Virámos em direcção ao Condes e entrámos no Hard Rock. 

Trip completa! 

Começo por dizer que “É CARO COM’Ó CARAÇAS!”, mas que valeu a pena, valeu. Proporcionou consideráveis gastos de energia, pelo menos a mim e ao Miguéns. Após uma visita rápida pelas imponentes instalações de corajosas e megas decorações, sentámo-nos a uma mesa, num mini palco, onde se encontrava o disk-jockey, ou melhor, o disk-pc, ou jockey-pc, sei lá que nome dar-lhe. Por cima, um amputado carro, a sair da parede. Certo é que a música esteve do melhor, com incursões (sobretudo) pelos saudosos anos ‘80s. Claro que o corpo não se deixou ficar quietinho  - pelo menos da cintura para cima.

Diferenças entre mim e o meu amigo Miguéns, enquanto irrequietos dançarinos, cheios de bicho-carpinteiro: a minha suposta dança, ainda que com ritmo, faz-se à toa, ao sabor de sentires vários, somados a catrefadas de lembranças: um autêntico despir de alma (e também de camisola); o Miguéns é a dança todo ele, a música disfarçada de pessoa; o ritmo a ditar deixas teatrais; o rosto a transfigurar-se em arte dramática e o corpo a lançar desafios entre o estático e as movimentações repentinas, geniais e humorísticas. Ou seja: mim = a diamante brutalhado; Miguéns = diamante super precioso e lapidado. As energias foram idênticas, mostradas num dançar imparável. Mímica, mímica e mímica e gritos súbitos com o nome dos cantores e grupos, a ponto do disk-qualquer-coisa se virar várias vezes para nós e comentar: “Vocês sabem-nas todas… vão para a pista dançar!”. E nós orgulhosos a aplicarmo-nos nas gavetas das recordações e a bebermos o único copo de bebida que cada um pediu. 

Já disse que é “CARO COM’Ó CARAÇAS?”.

Os restantes do grupo, abanaram carolas, riram connosco, fizeram comentários, olharam para o lado contrário ao nosso e, por isso, deram conta quando um grupo de empregadas do Hard-Rock, fardadas, subiram ao nosso palco e - em movimentos mais ou menos sincronizados  - dançaram o “YMCA” dos Village People, a que não faltaram palmadas nos próprios rabos. Tudo a fazer  lembrar um bar americano, cheio de assobios de cowboys, com tiros pelo ar a partir imensas garrafas de whiskies e esporas a cravarem-se no chão. Como adorava ser novita e andar ali, pelo meio, a dançar e a sentir-me uma estrela… Onde ia eu? Ahhh: a conta? Bem, o compadre perdeu a cabeça e desapareceu diante agradecimentos silenciosos. Creio que queríamos dar-lhe a hipótese de se arrepender, mas o nosso generoso e genuíno amigo apareceu, sorridente e a balançar as ancas. 

Saímos com a dose certa, a gingar por entre mesas, e pessoas e pessoal da casa que, se não estiverem a ser escravizados (filmes ou realidades a mais?), sobravam em simpatia e à-vontade.

De novo abraçámos a noite de Lisboa, partilhámos os sorrisos e boa disposição e, já do outro lado da grandiosa avenida, despedimo-nos, não sem antes relembramos a vontade de conhecer outra tasquinha.

Que é assim como quem diz: estarmos juntos de novo!