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28 março 2014

Eterna viajante



Olho atentamente em redor: placares gigantes de cores apelativas; rostos lindos, com sorrisos pepsodent; preços, muitos preços e descontos e setas a indicar direcções e destinos, com letrinhas a identificar os locais que, de tanto as ler, me parece já ter visitado.

O som de uma música dos Trovante entra suavemente nos meus ouvidos. O público canta em uníssono, sem enganos.

E espanto-me por não saber a letra da canção.

Caminho em direcção ao metro. Desço escadas que parecem não terem fim.

No canto do costume, encostado a um pilar, o cego canta números da lotaria.

Por mim, passam as gentes apressadas, entre os quais aquele senhor enorme, de sobretudo azul escuro que, todas as manhãs, passeia um pequenino saco azul turquesa, onde – tenho a certeza – guarda o almoço.

E todas as manhãs me espanto com aquela altura humana e com o pequenino e balançante saco azul turquesa na sua mão.

Obrigo-me a olhar com atenção, a ouvir com atenção, a sentir com atenção.


E espanto-me ao perceber que passo a vida a pisar terrenos novos, a ouvir músicas novas, a ver coisas e pessoas pela primeira vez. E tudo é novo para mim, sempre novo, ainda que todos me digam que é repetido.

Ilusão




Surges tão rápido, sem que te espere
Que nesse inesperado  aparecer
Minha solitária alma estremece
Como se ausente não fosse teu ser

Aflige-se este pobre coração?
Estranho eu sem forças,  sem resistência
Em sofrimento resisto à razão
Antes tua imagem que total ausência.

É tão bom este sofrer meu amor
Feito de realidade adiada
Que  impossibilitada de te ter

Deixo assim visitar meu triste ser
Fecho os olhos e volto a ser amada

Para sempre quero tamanha dor.