Sexta-feira, dia 13.
Ok, dia normal, pelo menos para mim que nem sequer sou supersticiosa. Certo que
o meu gato não é totalmente preto, mas não tenho culpa alguma disso; também não
passo por baixo das escadas que vão para o sótão, só porque logo a seguir está
uma parede.
Isto para dizer que
há uma semana que ando de volta do quintal. Tirei as portas de um telheiro;
limei frestas, lixei as traves; saquei
da fechadura; despejei o dito telheiro (fugi de aranhas arraçadas de tarântulas);
tropecei em vasos de geração espontânea; mudei plantas (dei pulos gritantes, ao
sacudir dos cabelos aranhiços saídos de uma guerra, camuflados de plantas); pintei
a parede do fundo do malfadado telheiro; troquei quinhentas vezes a disposição
dos três únicos móveis que por lá habitam (fugi de tarântulas disfarçadas de
aranhas); pendurei fios eléctricos; arrasei os rins a esfregar com lixívia o
chão do quintal; troquei de mangueira e isolei todas as junções: já não há pingos
a fugirem para lado algum. No exterior, cortei a relva, adubei, cortei sebes, e
passeei a máquina de corte pela calçada, aparando as ervas daninhas: não sei da
sachola.
Todas as noites
atafulhava o local com os objectos espalhados e fechava as portas, para no dia
seguinte retirar tudo de novo. Mas consegui catalogar caixas e tornar mais
fácil as minhas buscas futuras. Finalmente sei onde estão os seis pares de
luvas de jardinagem, as três vassourinhas, duas bombas manuais de encher pneus
de bicicleta e uma de pé. Descobri que fiz bem em não deitar fora a serra
eléctrica, porque afinal ainda existe a peça onde encaixa a corrente e que sou
dona de alguns vasos – de variadíssimos tamanhos (depois de ter sacrificado a
caneca do leite para salvar uma roseira).
Parecia um puzzle, cada
vez com menos peças (graças ao caixote do lixo público), mas mais organizado.
Hoje, finalmente -
dia 13, sexta-feira -, pintei as portas com bondex e a fechadura com tinta -verde
musgo - anti-ferrugem. Aparafusei a fechadura,
com toda a força, lutando contra a resistência da madeira e enquanto,
orgulhosamente, enxugava as gotinhas de suor da testa, olhei a parte da frente
da porta e percebi que aqueles deveriam
ser os parafusos das prateleiras colocadas no lixo: sobravam cerca de meio
centímetro. Retirei a fechadura, não sem antes dar cabo de duas pontas de chave
de estrela e recoloquei –a com parafusos menores. Fechei as portas: trincos
interiores e fechadura de lingueta normal. Livrei a mesa do quintal das mil ferramentas e
sentei-me orgulhosa, com pequeninas dúvidas, estilo: por que raio sobram sempre
parafusos? Terei feito bem em deitar tanta coisa fora? Será que devo ir
espreitar o contentor do lixo? Só para ter a certeza…
Fui interrompida pela
lata de tinta verde musgo, airosamente em cima da churrasqueira, a pedir que a guardasse
no telheiro. Levantei-me, tentei abrir a fechadura. Não cedeu. Forcei – que eu
não desisto facilmente, pelo menos até… a chave partir.
E NÃO TENHO OUTRA!
Hoje - sexta-feira,
dia 13 – não terminei as tarefas com a entrada da noite. Abandonei a latinha de
tinta verde musgo, na churrasqueira (tem tudo a ver), fui para casa e dei
comigo a espreitar as portas do telheiro com a ingrata fechadura.
Resolvi – não porque seja sexta-feira, dia 13 – aguardar
o sábado, dia 14, com imposta serenidade.