Páginas

24 julho 2006

A Noite

Foto: de minha autoria


Estava uma linda noite, rasgada pela luminosidade ténue dos candeeiros, carregada de restícios laranjas de Sol que se deitou, dourada do brilho das estrelas, azul de um mar que tem rebentos na areia húmida, prateada de Lua, amarelo brilhante de areia seca de praia. Tinha uma mistura de cores deslumbrante. Só o negro, que por si só é triste, parecia vir do seu interior, do desespero do seu fraco sentir, da sua figura desengonçada.

Olhava as pedras, enquanto caminhava… uma, duas… O barulho do mar, calmo e belo, indicava-lhe o caminho, rompendo a noite longa, só.

A paz não chegava ao seu ser, mas a calmaria dessa mesma noite e local embriagava-a de tal forma que adormecia os desesperados sentidos.

Horas, minutos tudo se confundia. Aos poucos a tristeza que a condenava, que a corroía bem fundo, em desânimo inexplicável, não lhe deu mais tréguas e venceu todas as sensações bonitas.

Nada de certezas, nada de motivos, uma carrada de nadas no seu total sentido de vazio.

Com medo, reiniciou o andar, a custo, coxeando, por não sabia onde, mas a noite e o murmúrio do mar, irreais, qual cantar de sereia, chamaram-na baixinho, docemente… vemmmmmmmm vemmmmmmm

Perdeu-se no mundo de todas aquelas sensações, em tentativas de evasão. O que pensava? Nada, ou talvez tudo…

Viu-se no cimo de uma escarpa, em contra luz. A sua sombra recortada no solo bonito, como a noite, chamava-a carinhosamente. Quando se atirou o seu corpo continuou no mesmo sítio, parado, pensando no mesmo nada e no mesmo tudo, assistindo ao bonito da noite linda, de cores deslumbrantes, misturadas, ouvindo o silêncio do rebentar das ondas, pressentindo uma paz que acabou por encontrar, engolida pela noite, pelo mar.

Esqueceu a maldade, as dores, tudo o que a desesperava, todo o seu eu.

Perdeu-se! Fundiu-se no espaço, no vento quente e aconchegante, em voo picado, imaginando as estrelas, com sorriso aberto e calmo.

A morte, igual à noite linda, amparou-a na queda e docemente pousou-a nos rochedos.

De manhã, um pescador encontrou-a e agarrando-a pelas asas caminhou até ao lixo.

06 julho 2006

Mundial do Nosso Descontentamento


Foi um NÃÂÂÂÂÂOOO rouco que gritei enquanto as minhas mãos escorregaram da cabeça até à nuca, num gesto em tudo idêntico ao de Figo. Também eu senti frustração do golo não acontecido. Aquele golo era meu, era de Figo, era de toda uma equipa magnífica, era de todos os portugueses e apoiantes. Era um golo merecido pelo esforço e entrega, o ressurgimento do orgulho de se ser português, o esquecimento momentâneo de todas as mágoas e cansaços, o motivo da aglomeração popular em volta dos muitos televisores espalhados pelo país, onde a ansiedade se retratou em forma de muitas bejecas e tremoços, alvoroços e desacatos, alegrias e encontros de amigos, onde até o mais pessimista deixou escapar um fiozinho de esperança na vitória.

Quais dançarinos, os nossos surgiram em campo e trocaram o esférico em passos de dança pensada. Aparentemente calmos, esgotaram as forças até ao último segundo. Vi o Miguel, à beira de um colapso, sair triste como pedindo desculpas aos colegas pela impossibilidade de continuar em jogo, assisti à altivez do puto Ronaldo resistir aos apupos, entregando-se sem se esfrangalhar na tristeza do anti desportivismo. Percebi a ânsia de Maniche e dos restantes colegas em jogar e vencer. Creio que estávamos preparados para tudo, menos para a derrota imerecida.

Desliguei a televisão mal o apito final se fez ouvir. Não quis ver o desânimo e as lágrimas dos nossos, muito menos a alegria da equipa francesa.

Hoje sinto-me triste por não termos ganho, raivosa por colocar “ses” na imutável derrota. Se o Ricardo se mandasse um nadinha mais cedo… seria mais uma milagrosa defesa; se o Ricardo Carvalho tivesse tirado o pé do caminho de Henry… poderia não ser golo e, decerto, não seria penalty; se o terrível Zidane não fosse tão certeiro… a dança continuaria na segunda parte, sem pressões; se o Pauleta fosse um armário igual a Thuram ou a Gallas… poderia ter-lhes feito frente e escapado das suas garras ou, se Scolari tivesse permitido Nuno Gomes dançar com Figo e Ronaldo… a elasticidade e leveza daquele poderia ter feito toda a diferença; se o nosso capitão tem cabeceado ligeiramente mais baixo… o empate seria o golpe final para os estronços dos amedrontados e pouco éticos gauleses.

A meu ver Domenech, desrespeitou a ética. O fuinha foi tão odioso quanto despropositadamente irónico. Acusou os nossos jogadores de simular faltas. Antes do encontro, havia sido esse o repetido discurso de alguns jogadores da França, perante a impressa, seus acólitos. Acusaram os nossos jogadores de serem simuladores e provocadores e de terem influenciado o árbitro na expulsão do simpático e delicado Rooney, quando jogámos e vencemos a Inglaterra. Se a isenção e competência da equipa de arbitragem pode ser tão facilmente posta em causa, terá sido a insistente e provocatória mímica do Sr. Domenech culpada pela cobardia e cegueira da terceira equipa em jogo? Que dizer de Henry na marca de grande penalidade?

Já agora, não critico o muro de betão construído pelos gauleses após o golo da vitória, mas critico a incoerência de uma equipa que se diz profissional e sem manhas, quando vergonhosamente demonstrou o medo que tinha dos portugueses, ao fazer uma segunda parte sem desenvoltura, em anti-jogo constante, cheio de matreiras posses de bola, não deixando jogar nem jogando, fazendo tempo, até ao limite, nos lances de bola parada. Dir-me-ão que isto também é jogo, claro que é, mas não digno de equipas audazes que são realmente campeãs.

Desculpem, também a mim, a falta de isenção, talvez a Itália não mereça o lugar de campeã, mas não resisto em desejar que derrote (de preferência esmagadoramente) a França. Vou assistir ao jogo - ai vou sim senhor - apoiarei os spaghettis até ao segundo final contra os astérix e Obélix. QUE SE ESGOTE RÁPIDO A POÇÃO MÁGICA.

Tenho dito!!!