Sentimentos transformados em divagações; tentativas de descrever o que percepciono; ginástica no uso da escrita; pretensão de escrever... mais do que dar-me, vou-me ao trabalho!
O
silêncio da noite, carregado de cheiros, entrava pela janela semi-aberta.
Eram
cheiros de penumbra de Verão, em catrapiscares constantes.
Cheiros
de liberdade desenfreada, com sabor a maresia e rumores de ondas a rebentarem
de felicidade.
Queria
mais, muito mais que aquele silêncio em abandono.
Ao
longe, a travagem do vento a embater nas folhas das árvores - a lembrar sibilos
ocultos -, a impregnar o ar de mistério e a dobrar malmequeres e papoilas.
Era
uma noite de encantos vários.
Uma noite de fadas, de lanternas mágicas e de
estrelas a polvilharem o ar de pozinhos de perlimpimpim.
Ao
longe, ainda mais ao longe, o piar nocturno de uma ave - incomodada pelo calor
– bicava a noite: saboreava-a.
De
olhos fechados, era perfeito o seu desenhar.
Mas queria
mais, muito mais.
Queria
agarrar a noite, não uma qualquer, mas aquela que lhe entrava nessa exacta noite, pela
janela semi-aberta.
Uma
noite cheia de cheiros imaginários, de sonhos por sonhar, de verdades
escondidas, de fictícias realidades.
Era
uma noite carregada de pirilampos, de borboletas e joaninhas.
Vi
um filme, porque hoje é domingo, não trabalho. Sentei-me no sofá, pernas
estendidas, almoçadeira cheia de leite e água e café e açúcar, em doses
ocasionais – sempre certas. Várias
fatias de pão com doce, acompanharam o desenrolar do filme que, já vi em tempos
e até tenho na estante da sala.
Grotesco
não me lembrar de um filme assim. Deve ser da idade (a avançar mais rapidamente
do que alguma vez imaginei), falha-me a memória.
E
dei comigo a encolher as pernas, a abraçar a cintura e a chorar, que nem uma
desalmada: a não me importar se algum resto de rimmel esborratava as minhas
olheiras.
Porra!
Ultimamente
está mais refinado o meu sentir.
Ao
perceber que a máquina de lavar roupa terminava a sua função, fiz pausa para a
estender.
Debruçada
nos ferros pintalgados de ferrugem, vi o meu quintal. Corri o olhar em redor e
senti que viajo muito, que descubro pequeninas coisas - e como eu gosto de descobrir pequeninas
coisas.
E
senti os olhos brilhar de felicidades várias.
Foi
exactamente nessa altura que me lembrei de um soneto de Camões sobre o amor e
me apeteceu roubar um verso:
“é
um andar solitário entre as gentes”.
Porque
esse verso define muito de mim. Entra pelo meu sótão e embala-me as memórias, à
laia de quem se despede, mas fica sempre.
E eu
permito, porque vou doseando a solidão com a vontade de viver e a esperança de
um dia o esquecimento ser maior que a própria dor:
incapaz
de ultrapassar as minhas pequeninas – mas tantas - felicidades.