Deixei-o no Hospital, sem as minhas asas, sem o meu olhar inútil.
- Mononucleose infecciosa… coisa banal, uns meses e passa.
Deixei-o no Hospital, com tubinhos a levarem algum alívio, a permitirem a médio prazo que voltasse a respirar… a sentir o ar entrar.
- O fígado e o baço incharam, mas… com repouso e cuidado recuperará…
Deixei-o no hospital, numa maca, rodeado de gente em dores.
- Não há vaga nos quartos, vai ter de ficar no corredor…
Deixei-o no Hospital, com uma lapiseira e umas folhitas arrancadas ao meu fiel cadernito, sem fala.
Deixei-o no Hospital, cheia de medo que não ouvissem os seus gemidos, que não dessem pelo ar que lhe pudesse faltar…
E regressei a casa, sem ele, a transbordar dele.
O dia de ontem passou como se de uma eternidade se tratasse. Hoje o dia voou e finalmente estou exausta. Amanhã quero um dia lindo, que passe sem passar, mas deixe rasto a felicidade. Poderá ser?
E sim, continuo em busca do que não sei… com a certeza de que depende do acaso em forma de sorte e de mim e de todos os outros.
E vejo mal, olho mal, mas sinto muito!
Sentimentos transformados em divagações; tentativas de descrever o que percepciono; ginástica no uso da escrita; pretensão de escrever... mais do que dar-me, vou-me ao trabalho!
02 outubro 2008
Mononucleose Infecciosa
15 maio 2008
Etérea Calmaria
Foto: minha autoria
Olho os fios que me levariam a ti. Parecem-me firmes, fáceis de agarrar.
É tão fácil imaginar que do outro lado a felicidade aguarda.
Sentir a calmaria revelada no sorriso, em silêncio, imaginado e sentido, forte.
Avanço… Deparo com a penumbra crepitante das achas da lareira.
Eu, sentada no chão, como gosto, cabeça pousada em teu regaço. Em resposta, as tuas mãos gretadas, quase rudes, a festejarem meu rosto… e eu a deixar, a senti-las em veludo, deliciada e mole, agradecida pelas estórias que me vais contar.
Eu, a tentar agarrar uma das tuas mãos, para as beijar, acariciar…
Mas, os fios subdividem-se no seu final e, mais finos se tornam, cortam-me as mãos, que teimam em não os largar…
Eu, a largá-los, a deixar escapar… sempre.
Não quero tempestades nascidas da calmaria, não ouso meu sangue coagular em soluços de silêncio inquebrável.
E eu, estupefacta, a matar a dor pelo cerne, a esquecê-la.
Eu, a sair vencedora e vencida.
E, no entanto, no sonho, como parecem infinitamente belos o querer… o desejar…
08 abril 2008
8 ANOS!!!!!!
Deveria olhar o Céu e abençoar-te com sorrisos, mas quando o faço saem estes desfigurados, cheios de mágoa e saudade, febris.
Continuas a fazer-me falta!
Tenho pensado na morte, não porque a queira, nada disso, ela tem batido ao de leve no meu pensamento, deixa-me uma marca de medo indecifrável, como se eu morresse e continuasse viva. Não sei como se respira na fronteira entre os dois estados e fico aflita, desamparada, numa escuridão triste e imensa.
Onde andas tu? Soubesse eu que iria para o teu lado e deixava de ter tanto medo, mas a tua mão não se faz sentir, nem os teus risinhos, finos e infantis.
Ontem lembrei-me de ti com uma intensidade que doía. Levei o livro, carinhosamente elaborado por tua mãe, para a mesa onde jantava com o meu filho e dois amigos. Na capa tu, com aquele porte majestoso, dentro a tua cédula pessoal, as tuas fotos, as tuas receitas, desenhos, cartas, depoimentos de amigos e familiares...
Não tinha vontade de jantar, queria falar de ti. Abri o livro e li em voz alta alguns passos, mas de repente as lágrimas saltaram, deixei de ver as letrinhas que te traziam a mim, a voz embargou-se em soluço abafado e apeteceu-me correr, correr muito pela rua, ao frio, à chuva, correr aos gritos… chamar-te o mais alto que pudesse para que fosse até ti esta dor lancinante de saudade e tivesses pena de mim, finalmente aparecesses, assim, como se me tivesses pregado uma partida de mau gosto… simplesmente aparecesses e me desses uma explicação, ou não… tanto fazia, que o que eu queria mesmo era abraçar-te e nunca mais deixar que te afastasses de mim.
NUNCA MAIS!
Não consigo deixar de ter raiva e já nem quero saber se é por egoísmo que a sinto - NÃO QUERO SABER! - quero que estejas comigo, ao pé de mim, sempre, sempre, sempre… a envelhecer comigo, a rir comigo, a chorar comigo, a relembrar este pesadelo que é a tua morte, contigo a rir às bandeiras despregadas e a secar-me as lágrimas, enquanto no meu desalmado choro te ralho pelo susto. Mas se tal não é possível - estou farta de me “beliscar” e tu continuas sem aparecer, minha querida amiga – guarda um cantinho bem ao teu lado e, quando eu me for, guia-me até ti, que tenho tanto medo de não te encontrar mais.
Quando for noite, minha querida e a minha solidão for ainda maior, enche o meu sótão com a tua presença e aconchega os meus lençóis, que tenho sentido cada vez mais frio.
E chove, minha amiga, exactamente como no dia em que adormeceste e eu desejei tanto o teu acordar. Chove, mas deve ser por minha causa e de todos aqueles que te amam, porque, aí em cima já encontraste amigos e a esta hora deves estar a combinar tertúlias incríveis, a incentivá-los, a dar-lhes força e alegria.
Até cá abaixo chega o teu olhar lindo, cheio de mel, a tua voz de sussurro encantado e o teu contagiante riso:
“- Vá pessoal mexam-se, vamos saltar as nuvens… bora… bora…”.
17 março 2008
Casos de Vida
De repente, à minha esquerda, nos lugares virados para mim, alguém se senta. Vejo-lhe as calças azuis escuras, com o logótipo da Adidas, a criar fole nos tornozelos, seguidos de uns ténis sujos. Sem levantar os olhos, tento abstrair-me do som enfadado que o sujeito faz ao largar abruptamente a mala no lugar ao lado do meu. Percebo que se recosta ao ver-lhe as pernas estendidas e o bico dos ténis levantados.
Não quero que perceba que o olho. A mão esquerda tem-na no bolso do blusão de cor escura, brincando com algo que pode ser uma chave ou uma simples bola de papel. De soslaio, porque sinto o cheiro a sarro (que me leva até ti, meu querido Alessandro), permito-me levantar o rosto do jornal. Tem um rosto magro, muito moreno, com uma ou outra verruga, um rosto de jovem envelhecido, de alguém que não soube cuidar de si e se entregou a excessos pouco saudáveis. Um gorro cinzento cobre-lhe a cabeça e termina num pompom.
“- Anda lá… Costa… põe-te a andar, que tenho pressa…” - mistura ele a sua voz à minha música.
Como se tivesse ouvido, o maquinista retoma a marcha do comboio.
Com gestos bruscos, debruça-se sob a mala e retira uns papéis mal tratados.
“- Que temos aqui?... Eh pá… Finanças… ena páááá… fonix… tás-te a esticar.. enaaaaa… não querem mai nada?!...” – diz, juntando ao monólogo umas imprecações da berra.
A esta altura já eu pensava agarrar nas minhas coisinhas e saltar por cima das suas pernas, procurando um lugar mais sossegadito e “seguro”, mas fiquei. Com o cotovelo apoiado ao rebordo da janela, mantinha a cabeça apoiada na mão direita e na outra o jornal, numa pose que pretendia ser descontraída, mas que contrastava com um interior em desassossego. A tendência para certas pessoas se sentarem perto de mim existe há muito e nunca sei qual o desfecho destas situações.
“- Eh pá…. Amadora… já cheguei… porra…” – diz enquanto guarda rapidamente a papelada na mala.
“- Resto de boa viagem, minha senhora.” – deseja-me, esboçando um sorriso desdentado.
Sorrio-lhe e agradeço, olhando-o nos olhos encovados e mortos.
Levanta-se e já pronto a abrir a porta de saída, olha para trás, para mim que, aliviada, mantenho ainda o sorriso e a pose.
É já numa mistura de pensamentos que o resto da minha viagem se faz.
Como seria este indivíduo se a sua vida tivesse tomado um rumo diferente? Ter-me-ia desejado um resto de boa viagem?, ter-lhe-ia eu sorrido?
14 março 2008
Lembrancinha
Sempre tive receio que de frente me olhasses
assim…
bem de frente e com a luz do dia a cegar-me.
Receio de todos os meus defeitos perceberes:
os sulcos em forma de rugas, a flacidez da pele amarelecida…
Também por isso, segurei tuas mãos
naquela esplanada com cheiro a mar
e, com insegurança, deixei teus olhos nos meus poisar,
dessa forma saberia por onde andava teu olhar.
Só não aguentei tamanho brilho.
Pareceu-me admiração, amor, desejo… e baixei o rosto em aflição.
Foi também por mais isso que me levantei
e, em rápidos passos, me coloquei por detrás de ti
sem deixar que te virasses, e de novo me olhasses.
Abracei-te então,
e meu rosto, encoberto pelo cabelo, poisou tua nuca.
Foi um abraço sentido, cheio de carinho, medo, esperança e confusão.
24 fevereiro 2008
SOCORRO!!!!!!!!!!
Foto: Minha autoria
Há dias em que a certeza de tudo ir correr bem me faz saltitar de alegria e em leveza de espírito.
Assim continuei cerca de uma hora, rápida no seu passar, mas onde realizei (graciosa – diga-se) uma série de tarefas, em conjunto, como a lavagem de dentes e a arrumação da bancada, o tomar banho e a passagem de uma esponja pelos azulejos, o pentear-me e o lustre do espelho…
Foi também assim, com esta disposição de deusa, que me vi na rua a cumprimentar o vizinho da frente, lindíssima e perfumada, de mala a tiracolo e chaves do carro em riste, preparada para mais um dia de trabalho e de chinelos de quarto.
A meio deste dia 22 de Fevereiro, a notícia incrível do nascimento da Joana e eu a ter o título primeiro de tia-avó.
01 janeiro 2008
Primeiro Dia de Um Ano
Foto: Minha autoria
As névoas debotadas de minha alma batem que nem meu coração, perdidas na imensidão do não saber, na ignorância da tristeza, em supostas descobertas, também elas frias, cinzentas e desgastadas.
Nada sou! Nem brisa, nem gente… apenas pensamentos vagos e incertos, umas vezes desgarrados, outras amontoados e sem sentido.
Bela? Quem não o é? A beleza constrói-se em narcísicos desesperos e patéticas justificações. Tenho a beleza do meu interior que apenas sei ingénuo.
Estou cansada de nada saber, cansada das descobertas que não sei, cansada de viver e de morrer, cansada de mim e dos outros, das minhas felicidades construídas em idealismos desfasados, das minhas soluções e crenças mal formadas, que nunca dão em nada.
Tenho um medo incrível de me sentir fora da realidade dos outros e ainda mais da minha. Medo de ser e não ser.
Pensei mudar (mais uma vez), desta para pior, já que o contrário não tem surtido efeito. Contra a minha formação tentei ir. E não me estava a sair mal, até que, de repente, a chuva caiu em fustigadas investidas e me fez gelar as intenções.
Imagine-se, já nem sei que mudanças fazer em mim.
E tudo poderia ser tão simples quanto a brisa que sopra calma em noites de Verão, onde os meus olhos, cheios de estrelas, se carregam de gaiata esperança, sem espelhos a desmascarar.
Sou feita de sentimentos, onde está minha razão?