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01 dezembro 2007

Um começar diferente...

Foto: Minha autoria

Já me via rodeada de paparazzis e em entrevistas vazias, após me ter sujeitado a make ups, vestida pelo Tenente ou João Rolo e penteada pela Lúcia Piloto. Imaginava as bancas dos quiosques enfeitadas de meu rosto, nos jornais e revistas depositados a molho ou pendurados com molas em expositores de ferro, as mãos das pessoas a manusear as folhas, até me encontrarem, lerem e criticarem - a fazer lembrar o “ovo de Colombo”.

“- Apre… saiu-lhe a sorte grande, à gaja… e por tão pouca coisa… sim que qualquer um fazia o que ela fez…”

OU

“- Ganda cena man. A cota teve uma 'baita' sorte. Bué da guita mano… Tá-se... Yaaaa... fui!!!”

Logo abaixo das brutais parangonas o meu rosto, primeiro, sereno, em candura e intelectualidade, alguns meses depois, com as mirabolantes especulações, em transe de terror.

Sentei-me no chão, de olhar perdido por entre as amarelas paredes, o pensamento a escorrer ao sabor do leite com café e do pão com manteiga.

“- Connosco temos a incrível cientista que revolucionou a comunidade científica. Pois, diga-nos… quanto tempo se dedicou a esta milagrosa experiência? Em que pensava quando fez a descoberta?, obviamente, que sabia o que pretendia?!!Os custos? Até que ponto alterou a sua maneira de pensar e viver?... Os vizinhos, falam-lhe da mesma maneira? Costumam bater-lhe à porta? Mas… diga-nos, como se lembrou de tal? Se fosse hoje voltava a fazer o mesmo?... Que tenciona descobrir mais?”

E eu, envergonhada, a lembrar-me que tinha acontecido nesta manhã de sábado, ao acordar estremunhada com o som medonho das máquinas de corte de relva e do ‘ta ra plin plin’ da recepção de mensagens no telemóvel - que se manteve ligado a aguardar notícias do rapaz. Eu, ainda a sentir a dificuldade em sair da cama, após uma noite mal dormida, e o esforço em equilibrar os ossos pelas escadas, até à cozinha - onde estou, sentada no chão a tomar o pequeno-almoço.

Eu, a contar como uma ligeira dor de cabeça ameaçava o meu querido sábado e o estômago me pedia alimento. A explicar o meu ritual matinal - a forma mecânica de virar a almoçadeira, de segurar no copo de água, abrir a embalagem de cecrisina e retirar uma pastilha, que deposito no fundo daquele e encho de água. Os dois passos até à bancada, onde a embalagem de leite me aguarda, o regresso já com aquela aberta, o deixar algumas gotas brancas escaparem-se, enquanto continuo a ouvir o ruído da pastilha a dissolver-se e encho a almoçadeira de leite. O corte do pão, o levantar da tampa da manteigueira, a dificuldade daquela pasta amarela em se espalhar pelas fatias finas, que se esfarelam e me fazem crescer água na boca. O não resistir a trincar uma delas.

Eu, a levantar a mão direita, para lhes mostrar qual a que retira o frasco de café - deitado numa grelha de ferro vermelha, pendurada ao armário, bem ao nível dos meus olhos - a levantar a mão esquerda para lhes explicar que troco o frasco de mão, a fim de o abrir e dele retirar duas colheritas de grãos escuros.

“- Olhei o copo de água, onde uma réstia de rodelinha de vitamina C se percebia, no entanto, o líquido mudava a sua cor laranja para castanho. Ainda tentei, com a colher, retirar os grãos que boiavam e colocá-los no leite, mas as bolhinhas de gás alaparam rápido, trocaram de posição e a mistura aconteceu. Em cima daquele castanho borbulhento uma ligeira espuma de café, a lembrar uma bica tirada numa máquina expresso…" – oiço a minha voz a chocar com o ar incrédulo dos entrevistadores.

" - E foi só! Não me atrevi a provar porque receei ter inventado uma droga qualquer, que ao ingerir me fizesse bater com a cabeça no teto da cozinha, mas vendi a patente a uma conceituada marca de café…” - a minha quase inaudível voz a tentar dizer algo.

" - Ahhh... E fiquem já a saber que se não tiverem calda de tomate para fazer carninha à bolonhesa, não adianta substituí-la por marmelada." - remato, finalmente, só para cortar o silêncio.

O pequeno-almoço terminou, com o meu riso a ecoar no amarelo mais vivo das paredes da cozinha. Em equilíbrio de pires e almoçadeira, levantei-me do chão.

De dia para dia a minha loucura e distracção avançam a passos largos e o que vale é que ainda vou achando graça.

7 comentários:

rutita disse...

Tanta genialidade, ainda que à maneira de heroína acidental, faz de ti singular!
Se continuares a cozinhar guisados com marmelada, a temperar com cecrisina, a confundir alhos com batatas e me convidares, eu vou! E mesmo que me perca, não vou desistir! :))
Vê se não mudas!

Fio de Beque disse...

mais do que a loucura desses teus pequenos-almoços na companhia da alice (a do País das maravilhas), gostei mesmo foi da tua fotografia ;) Durante as aulas levanto-me tão cedo que os meus desayunos chegam quase ao nível de surrealismo dos teus jejeje

Anónimo disse...

Pois....a minha veia poética não chega nem a centímetros do calcanhar da minha mana,o que me safa literalmente,de comentar o que a doce poetisa escreveu,mas uma coisa eu sou capaz de comentar...

A foto.................

HILARIANTEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

Continua assim BIG SISTER essas fotos são demais.

Colibri disse...

Li tudinho, de fio a pavio.Excelente!!!

Anónimo disse...

Ai, ai, ai ... guisados de marmelada, café aromatizado de cecrisina ... que saudades que me deu assim de fininho do empadão de papel higiénico ....
se bem que estas ultimas iguarias foram obra de um acaso único e singular a que já nos vais habituando ... nessa teu jeito de ser ... de ser ... de ser despistada ? distraída ?
Confesso que temo o dia em que ao me aproxegar de ti .. não existam assim estorias (ou hisórias) hilariantes de uma "senelidade" sempre presente e actual ...
ai, ai, ai ....

a_ciganita disse...

Nem penses que te vês facilmente livre de mim, cunhadita... Dentro de muitos anos continuaremos a rir dos acontecimentos insólitos. Pior é se a senilidade nos vai confundir de tal forma que nos faça rir dos poucos momentos normais que venhamos ater no futuro. aiaiaiaiaiaiaiai

Anónimo disse...

Pois eu vi logo....para rirem juntas de quem seria senão daqui do pobre coitado....Sou um infelizzzzzzzzzzzzzz ;)