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29 dezembro 2006

Mosqueteira de mim





Foto: e Montagem de minha autoria







Volto ao meu mundinho… local de paranóias e sonhos, medos e coragens, partes de mim.

Hoje, em espirros de constipação, purgo-me de um pensamento.

Olho para dentro de mim e vejo um mundo em tons quentes, onde me movo saltitando, de mesa em mesa, espada desembainhada, em estucadas rápidas, enquanto sentada fico, junto a uma lareira acesa e crepitante de fagulhas.
O cheiro a mosto ergue-se e mistura-se com o da comida impregnada de banha. Afogueada, olho a imagem que teima em saltar, sabendo-me eu e sorrio-me.

Sinto a coragem que erradio e fecho os olhos, envolvo num abraço forte e carinhoso os joelhos flectidos por baixo de uma saia imensa e rodada, enquanto neles deposito a cabeça, enfeitada em carrapito, por onde madeixas de cabelo teimam em soltar-se.

Desprendo-me e levanto em saúde uma taça de estanho, a escorrer em vinho. Em cima de uma mesa, a minha figura ouve o brinde, agarra -se a uma corda, suspensa de uma viga de madeira que suporta o tecto da taberna, toma balanço e, em voo, arranca-me a caneca das mãos. Sem se desequilibrar, estaca em cima do balcão, pernas ligeiramente abertas, enfeitadas de calças justas, que escondem parte do seu tecido nas botas que encobrem os joelhos. Ergo a taça que me ofereci e de espada em riste, desdobro-me em várias e grito a vitória, que se recorta em sombra nas paredes encurvadas.

Bebemos o líquido de um trago e sorrimos entre todas. Os calcanhares batem fortes no chão de madeira e a emoção de, mais uma vez, não termos perecido às mãos do vilão ressurge em gargalhadas tristes, mas ainda assim gargalhadas.

As notas de música vibram por entre o calor, voam até mim, levantam-me em enlace de cintura e dobram-me as costas, que endireito ao soltar um som agudo, amargo e vencedor.

Dirijo-me à lareira onde me encontro, afago-me ternamente o rosto corado, envolto em lágrimas de desilusão, brilhantes de luz de tochas e juro a mim mesma sempre os vencer, que vilão só de passagem entra na minha vida e dela sairá sem marcas deixar. Recordo as promessas que sempre me fiz, envoltas em força, jamais em resignação.

Voam chapéus de penas enfeitados, soltam-se as melenas de calor suadas, enchem-se novas taças de amizade infindável. Venha a música, os sonhos, os delírios infantis… Expectante aguardo o real simples, isento de maldade. Até lá, cruzam-se as espadas em tinir de aço de coragem e, em novo brinde, alto e bom som, em uníssono, alimentamos a eterna jura de “uma por todas e todas por uma!”

Pode ser que só eu entenda, mas afinal este é o meu mundinho, onde alugo nos relatos feitos um espaço aos outros, limitado ou ilimitado, consoante a importância que lhes dou e que me dão.

É que o meu mundinho é lindo, não só por ser meu, mas por nele depositar sentimentos e anseios, memórias boas e más, uma miscelânea de descobertas que tomam formas ao sabor de uma pena imaginária. Tudo nele é verdadeiro, o que de mais verdadeiro exista, mesmo que de dúvidas, alegrias, decepções e sonhos feito.

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