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03 dezembro 2006

A Árvore



Foto: minha autoria


Lembro-me que um dia, andava ainda no liceu, escrevi uma composição sobre uma árvore. A dita cuja albergava por debaixo dos seus ramos e folhedo uma criança de rua, cheia de frio e desconhecedora de carinho. Não me lembro por que artes, mas o certo é que a árvore, dotada de uma alma imensa, se dobrou tanto no intuito de proteger aquele filho adoptivo, que acabou por rasgar a terra e dela fazer brotar as suas raízes, perecendo. Claro está que morreu a árvore, mas a criança salvou-se.

Na minha ingenuidade de criança, desprovida de carinho, apelei ao impossível. Endeusei uma árvore, ao dar-lhe a capacidade de sofrer até à morte, na esperança de salvar um ser humano; personifiquei o frio conferindo-lhe todos os males; transpus da forma mais sucinta a criança que eu era, ainda que na altura não tivesse percebido isso. Uma criança que sabia de cor o sabor do sofrimento, a quem era vedado o direito ao amor. Pelo meio ficou a ternura maternal da árvore, a voz quente que a acalmou até ao sono sossegado, o acreditar da escritora criança de que os milagres podem acontecer… que um dia também ela seria alvo de um.

Essa criança manteve-se bem dentro de mim - creio não ser segredo para todos os que verdadeiramente me conhecem - até aos dias de hoje. Curiosamente não é uma criança que pedinche, antes, parece ser uma criança que encontrou o amor em si própria, mas que tem a necessidade de se manter pequenina, aninhada nos braços do meu coração. De vez em quando estende os deditos e acaricia as minhas dores até ao sossego, tal qual a árvore da minha história.

E eu faço tudo para proteger aquela criança, tudo para lhe demonstrar que a amo, absolutamente tudo para que perceba que dependo dela e ela de mim, tudo para a ver em paz, a sorrir e, se possível, mesmo a rir em frutos de gargalhadas.

Que atire a primeira pedra, quem se ache mais normal, mas antes olhe-se bem para dentro e procure a coragem de se conhecer e dar a conhecer, porque eu e ela, sem medos, assumimos ser ambas crianças… ambas árvores de nós próprias.

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