Tenho
sempre esperança de imaginar algo. Refiro-me à escrita, que nas outras áreas
artísticas está mais que provado: sou um zero à esquerda. Um conto que seja.
Nada!
Fica
sempre o caminho das letrinhas baralhado, caótico, anémico, com pequeníssimas
ideias a saltitar – mendigas.
Sempre
que leio os outros (os imaginativos) fico admirada por não ter sido eu a
lembrar-me dos motes. Entre a tristeza, patente na real constatação de que não
sou nenhum Colombo - antes, revejo-me em todos os que, só depois daquele ter
colocado um ovinho de pé, consideraram fácil e desataram a deitar uffs e ahhs e
ohhs, carregados de desprezo – e alguma tristeza (para não dizer dorzita de
cotovelo e preocupação crescente de nada vir a ser só meu – que raio, bolas, uf
e ah e oh), fica uma frustração preocupante: vá que não deixam nada para eu
imaginar?
O
caminho desenhado no meu cérebro faz-se em constantes arrepios desnorteados; as
palavras caem, qual Outono lexical; sujam-se de tinta; chocam entre si,
misturam-se, fazem o pino, o flic flac, esquivam-se, escondem-se, voltam-se de
costas, rasgam-se. Eu entro em mim, na tentativa de as arrumar, na esperança de
que, na ordem, encontrarei a imaginação.
Nada!
Recorro
a truques. Resisto a aceitar o morno da minha condição de simples aprendiz
(ainda por cima limitada).
O
tempo passa, o cozinhado é escasso.
Parece
tão fácil: uma dose de conhecimento, outra de sentimento, um pouco de humor
(até pode ser negro), tempo, vontade.
Nada!
Alguém
me disse que uma boa prosa deve ter a capacidade de “agarrar o leitor pelos
colarinhos e puxá-lo para dentro da escrita”: devo constantemente tropeçar em
pessoas que só usam T-shirts (só pode).
E
fico a imaginar uma onda - feita de palavrinhas e sinais de pontuação – a
enrolar o leitor, a engoli-lo até ao âmago, a levá-lo (sem resistência) até ao
fundo da criação de uma ideia e a colocá-lo frente-a-frente com o entendimento
(que também é feito de interrogações). E tudo isto sem tédio.
Imagino
o leitor – ávido, de ar compenetrado, profundo e calmo – a folhear páginas –
totalmente alheado; a avançar, preocupado com o fim; a levantar, de quando em
vez, a cabeça para fixar o olhar num ponto… além; pensativo. O leitor a
estabelecer pontos de contacto com a sua vida, como se o autor o conhecesse, falasse
dele, escrevesse sobre ele. O leitor a ver-se belo, miserável, corajoso; a
embater em todos os tipos de sorte e de destinos; a encaixar-se na história (ao
milímetro); a protestar; a levantar de novo a cabeça em busca de soluções: a
acreditar em soluções e na mudança. O leitor a fechar o livro: só para não o
terminar. A absorver, compulsivamente e com ardor, todas as cores, texturas,
cheiros, objectos, fumos, .temperaturas.
A projectar-se para lugares desconhecidos. A sair do dia, a entrar pela
noite, a esconder-se, a procurar-se. A
franzir o sobrolho de cada vez que o personagem resvala, a enfonar o peito quando
vence, a arquear as costas e descer os ombros sempre que perde (sem escapar a
lagrimazita no canto do olho).
Às letrinhas,
imagino-as - quais colcheias saltitantes numa pauta de música – marotas,
sorridentes, cheias de laçarotes, a pregarem-se partidas; imagino-as a deslizar
na neve, ou a apanhar sol (sem esquecer os óculos escuros).
E eu
a correr, esbaforida, quase a apanhalá-las – com elas a fugirem, rápidas, como
um balão cheio de ar que escapou antes de lhe dar um nó. Eu, a puxar tapetes de
signos, a tentar ordená-los, limpá-los e a deitar fora - sem querer - vários,
camuflados de desinteresse (maganos).
Sentada
no vazio, vazia, desesperada.
E,
no entanto, há dias em que tudo cheira ao meu perfume mais querido. Dias em que
as rugas não fazem parte das marcas da vida. Dias em que, languidamente,
estendo as pernas, plena de sentida juventude. Dias em que sou a maior, a mais
importante:
sou
visível.
É
nesses dias que provo o sucesso: tudo flui, cheio de ritmo (frenético). E sabe
bem não ter tropeços, nem gaguejos, nem trapalhices, nem inseguranças.
As
letrinhas rendem-se, juntam-se - com ar feliz e bem comportado. A neve das
folhas derrete, nascem campos de papoilas sorridentes, o cheiro a maresia
entranha-se nos poros, as florestas…
Ainda
que tudo passe ao esquecimento - enclausurado entre folhinhas soltas amontoadas
numa gaveta, entre bugigangas e jornais amarelecidos, (carcomidos por irritantes
bichinhos brilhantes, parecidos com mini-peixes, armados em Fittipaldi) -,
ainda assim, vale pelos momentos em que as letrinhas me fizeram companhia, em
que pousaram nos meus cabelos e ombros, fizeram-me cócegas na cara, entraram
pelos olhos, ouvidos, boca, nariz, me invadiram as veias e se deixaram levar –
cheias de oxigénio – até ao cérebro.
Existem
mundos infinitos na escrita. Brota a ideia, procuram-se as palavras. Mas, o mais
fantástico, sempre que é lida, ganha novas e novas vidas, novas cores, novos
perfumes; metamorfoseia-se de sentimentos emboídos de música. E é assim que
viajamos (pelo menos eu) pelo mundo afora, inevitavelmente prisioneiros.
A
escrita é irmã do sonho e, como diz o poeta:
sempre
que um homem sonha o mundo pula e avança, como bola colorida, entre as mãos
duma criança.
lara
lara lara la, lara lara lara la, lara lara lara lara, lara lara lara la…
2 comentários:
Será a leitura ainda mais importante do que a escrita?
Sim, de que vale escrever se não for lido!?... Onde está a verdadeira imaginação? Em quem escreve ou em quem lê!?...
Agora que tomei conhecimento do teu blog, vou ler. Mas tu, tens de continuar a escrever nele.
Só hoje dei conta do teu comentário. Obrigada pela paciência. Tempos houve em que a escrita era feita para guardar em "baús". Hoje as novas técnicas permitem-nos expor e, de repente, ansiamos por uma palavrinha que demonstre que "somos lidos".
É por ser tão importante a leitura, a compreensão e imaginação que se deseja tanto escrever. É assim como um grito a ecoar pelos céus em desejo constante que reparem em nós. Quase, quase um pequenino narcisismo.
Enviar um comentário