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30 setembro 2006

Uma Prece





Uma enorme frustração assalta-me, mais que nunca a minha pequenez vem ao cimo e o presente grita-me o quanto sou banal. Nada fiz de interessante na vida, deixei-a passar, agarrando-a tenuemente. As lutas que travei deixaram de fazer sentido e interrogo-me se as escolhas foram as melhores. Não passo de um corpo igual a tantos outros, que morrerá sem deixar marcas. Qual o significado da vida então? Para que raio nasci? Que postura devo ou deveria ter? Qual a importância de trabalhar dia após dia, ano após ano, se o resultado se expressa unicamente no levantar de cabeça, orgulhosamente, enquanto afirmo que não devo nada a alguém? E a casa, que demora trinta anos a pagar? Os electrodomésticos que paguei em dolorosas prestações? As viagens que somente sonhei fazer? E o apertar do cinto em momentos de crise? E as noites mal dormidas a pensar que o trabalho pode acabar? E o envelhecer sem futuro? O contínuo contar de “tostões”? As incessantes e conhecidas contas depositadas na caixa de correio?...

Tudo se aguenta, quase sem questionar, até que um dia um filho, que amo mais que à própria vida, me abana e de chofre me faz sentir vazia. Se por um lado desejo que estude e trabalhe e lute pela vida, por outro oiço-o em calmo desespero afirmar que nada faz sentido. E não sei como lhe definir a felicidade, como lhe dar as forças que já me parecem despropositadas. Engulo em seco o meu mundo ridículo e balbucio meia dúzia de palavras desacreditadas.

A dor apanha-me desprevenida e mal fixo os olhos do meu filho. Não tendo a que me agarrar, o pavor invade-me e, com voz disfarçada de certezas, tento dar-lhe o alento que foge de mim.

Os alicerces caem e as célebres frases de que “a vida é mesmo assim, blá blá blá… há que lutar… blá blá blá… a felicidade também se constrói… tudo passa, um dia vais ver… outros tantos blás…” soam a ridículo, soam-me a falhanço, a cobardia, a falta de imaginação, a impotências diversas.

Não sei como o ajudar e temo a sua rebeldia, as suas convicções. Olho o futuro sem alegria e sem esperança e intimamente dou-lhe razão, mas não posso revoltá-lo mais e continuo a dizer frases sem verdadeiro sentido, enquanto o agarro em abraço e desejo que sinta este amor, que não lhe basta.

Olho o meu filho com um amor desesperado e sinto que falhei, mas não sei onde. A ferida abre cada vez mais e percebo que a vida continua nele e que não consegui estruturá-lo, não consegui fazê-lo feliz. E dói, dói quase até à loucura, decididamente dói até à raiva de tudo e todos. E já nada basta, dentro de mim abriu-se o irremediável, e percebo que o descanso não existe e que na vez dele a culpa toma cada vez mais forma.

Seria tão mais fácil se ele fosse como eu… pequenina, banal, inserida nas ridículas felicidades que arranjo por tudo e por nada. No fundo desejo que ele se insira na pequenez do mundo, na mesquinhez das sociedades... que se torne intocável.

As forças que me restam ameaçam-me, sinto-as fugir e desnorteio-me. Sempre tive forças para lutar contra tudo e contra todos, mas jamais soube como lidar com os problemas dos outros. Eis chegada a vez do meu filho, a pessoa que mais amo e não sei o que dizer, não sei o que fazer.

Tenho tanto, tanto medo que dou comigo, mais uma vez, a levantar as mãos em prece e em choros.

“Imploro a um Deus - que sei não existir - que me dê todas as amarguras, todos os sofrimentos, mas torne o meu filho feliz, por favor, por favor”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Tens palavras de vento amargo, de queda, de vislumbre de caminhos perdidos, sem esperança, sem regresso. E todavia, apercebes-te da beleza impar do por do sol, da frescura matinal do orvalho que banha a floresta, dos momentos mágicos que definem a vida. Dizes que nada fizeste de interessante, que desaparecerás sem deixar marcas. Lanças preces a um Deus que desejas que existisse mas que sabes nunca te irá ouvir. Mas olha, acredita em ti, pensa que és única, o teu olhar é tudo o que existe, intérprete do mundo, das grandezas e das misérias. Acredita, Deus existe! Talvez Ele sejas tu... Ou eu!

Anónimo disse...

Quando diz que nada aconteceu na sua vida, aconteceu sim,um milagre chamado Teresa. Quando diz que a vida lhe passa sem deixar marcas, parece-me que aquilo que lhe brota do mais profundo de si, são precisamente retalhos dessa mesma vida. Como pode o seu filho abaná-la e sentir-se vazia?
Olhe-o nos olhos, sorria-lhe e sinta-se orgulhosa do que vê: um outro milagre chamado filho. O resultado, será essa tamanha força que vem de um sentimento único, para lhe dar alento e segurança. Sirva-se da sua sensibilidade para lhe trasmitir amor e fé em tudo aquilo que ele fizer, porque aquilo que hoje nos parece dificil de alcançar, amanhã parecer-nos-à mais fácil, basta querer...querer com muita FORÇA.
Força!