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06 outubro 2006

O Amor É Lindo!


Toca o despertador do lado esquerdo. Enquanto se esconde por baixo dos lençóis, uma das mãos tateia até encontrar o milagroso botão que cala por mais sete minutos a música do despertar e, de novo, adormece. Acorda com o ressonar do seu amado. É um ressonar profundo, intervalado de pequenas saídas de ar que lhe atinge o lóbulo da orelha arrepiando-a.

Antes dos desejados 7 minutos de sono, toca o despertador do lado direito, aquele que não lhe pertence... esse mesmo, o do seu amor querido e lindo. O que toca de forma estridente, o embirrante que várias vezes lhe fez nascer instintos de destruição – quantas vezes imaginou martelos, fisgas, até pistolas a dar cabo dele... do despertador, não do seu querido e lindo amor. Por falar dele... não acordou, não fez resvalar a sua linda mão até ao miserável, não o parou.

Ainda debaixo dos lençóis remexe-se. A sua perna toca a do companheiro.
“- Amor... quido... tá na hora...”.

Lindos grunhidos ouvem-se.

“- Eu sei! Tenho despertador... só mais uns minutinhos.” - e trava o despertador.

Agarra-se ao torpor do sono, e consegue, quer dizer... ele consegue... adormecer.

Toca de novo o do lado esquerdo. Raciocínio rápido tem 7... não, 3,5 minutos até o dele tocar... grrrrr.

Na relação do casal o egoísmo não tem lugar e a preocupação pelo outro está sempre presente...

“- Amooooor já tocou umas dez vezes... Não estás atrasado?”.

“- Não! E tu?”

"- Claro que estou" - pensa, mas... só mais uns minutinhos. E lá vai tateando tudo o que se encontra na mesa de cabeceira, até encontrar o despertador.

As mãos agarram firmemente o lençol e o edredão que ele graciosamente levou consigo nas vezes em que rodou para o lado direito. Puxa com força e... nada. O frio espalha-se rapidamente e, geladinha, desiste!

Arrasta-se até à casa-de-banho.

“- Onde vais amor?”.

Estaca, incrédula. "- Vou até ao bailarico da esquina" - pensa dizer e ao invés disso:

“- Tá na hora fofito. Vou tomar banhito.”

“- Acorda-me a seguir, amor. Tá?” – diz ele já a dormir.

“- Tá amorzito.” – responde ela. Grrrrr, mas para que raio quer ele o despertador?

Ao chegar à fria divisão dos reparos físicos, olha no espelho a imagem disforme e de pele amarrotada. Tenta compor os cabelos que teimam em ficar desgrenhados, estala os ossos que ainda dormem e arrepiada coloca um dedinho na água que corre do chuveiro, até que esta aqueça e a ajude a entrar aos poucos no mundo das lavagens matinais. O cérebro ainda está embrotecido e as ideias misturam-se entre o que fez no dia anterior e o que fará após o pequeno almoço.

Pequeno almoço.... hummm, torradinhas e leitinho com café, ao som da música suave, pequeno almoço que ele lhe fará com carinho... hummm, que bom. Esboça o seu primeiro sorriso da manhã.

O relógio acusa o atraso, obrigando-a a poupar na água do banho. Espalha velozmente o creme pelo rosto e a sua imagem começa o tocar o limite do aceitável. Ó larelas, está quase pronta para o mundo... quase... quase.

“- Amor!?!?!?!? Levanta, tá na hora.” – diz, enquanto o beija, o acaricia, o abana.

Ele levanta o tronco, vira a cabeça na direcção do relógio, tenta localizar-se no tempo... destapa-se num ápice.

“- Porque não me acordaste? Já estou atrasado...” – diz ele perante o ar incrédulo dela, quase se estampando contra a parede, após tropeçar numa dobra do edredão.

Vê-o correr para a casa-de-banho, ouve-o queixar-se do “nevoeiro” (rasto do banho dela) que teima em colar-se ao espelho não o deixando ver a barba.

Resmunga após um golpe na face, coloca papel higiénico no mesmo e lava os dentes.

“- Xá Extáx ...??” fala por entre fios de pasta dentífrica, escova de dentes e água.

Fora da divisão onde ele se encontra, ela abana a cabeça e, em esgar cómico, sem som, repete a pergunta que acabou de ouvir, terminando num “daaaaaaa”.

“- Estou sim amor” – responde.

“- Eras uma quida se arranjasses o pequeno almoço.”- diz em tom mimado e, sem esperar os protestos dela, acrescenta: “- Tou quase pronto... vou de seguida...”

Dispara a almofada para cima da cama que acaba de compor, apanha a roupa que ele, SEM QUERER, deixou cair em vários sítios do chão, dobra o jornal, apanha o comando da televisão... tudo isto enquanto o seu sonho de pequeno almoço se desfaz.

Agarra no casaco e mala e brincos e anéis, dispara o spray do perfume na direcção do pescoço e corre para a cozinha.

Prepara o repasto e aguenta a mão dele no penteado que lhe deu tanto trabalho a fazer.

“- Hum... estou esfomeado” – diz enquanto come a primeira torradinha, aquela que ela acabara de barrar e se imaginara a trincar.

Salivando, coloca nova fatia na torradeira e prepara-se para a defender com unhas e dentes.

“- Dormiste bem amorzito?” – pergunta ele.

De largo sorriso, sem certezas, responde que sim e ambos saem para mais um dia de trabalho.

Vê-o afastar-se e prende o olhar na sua figura linda. Sente saudades dele, enquanto corre a comprar a revista que traz as últimas novidades sobre como acabar com a maldita celulite.

Rebobinemos o filme…

Toca o despertador do lado direito... “- O telefone está a tocar.” – pensa ele – “porque será que ela não atende?”.

“- Amor... quido... tá na hora...”

“- Upss... afinal é o meu despertador” – pensa – travando-o.

Durante a acção de travar o despertador e de lhe dirigir algumas palavras, as quais não recorda, adormece.

Acorda com a presença dela já pronta. Aposta que já é tarde e nem o chamou, levanta-se meio irritado. Porque razão demorará ela tanto tempo na casa-de-banho, se nem a barba tem de fazer? E que mania tem de mandar com a roupa da cama toda para o seu lado... resmunga, ao tropeçar no edredão.

Mas é claro... outra coisa não seria de esperar, não se vê um boi à frente dos olhos, só falta aparecer D. Sebastião por entre tamanho nevoeiro. Apostaria o campeonato português de futebol em como ela usou a sua lâmina de barbear, resmunga enquanto se corta. Tanto dinheiro na esteticista e ele é que sofre... grrr

“- Xá Extáx ...??” – pergunta-lhe, por entre fios de pasta dentífrica, escova de dentes e água.

“- Eras uma quida se arranjasses o pequeno almoço.”- diz em tom mimado - “- Tou quase pronto... vou de seguida...”

Mal ouve a sua resposta por entre o delicioso barulho da água do banho no seu corpo.

Já pronto, segue em direcção ao cheiro agradável de uma torradinha que, avidamente agarra, não sem antes acariciar os cabelos da sua companheira.

“- Hum... estou esfomeado” – diz enquanto a devora.

“- Dormiste bem amorzito?” – pergunta.

Pensa no trabalho que o aguarda e nem ouve a resposta.

Saem. Sente-a afastar-se e apressa o passo em direcção à banca de jornais, onde lê as parangonas sobre os grandes clubes do futebol português.

Sente saudades das idas ao Estádio José Alvalade, onde, por entre cervejas e verdadeiro calão português, na companhia dos seus grandes amigalhaços, vibrava nas ondas futebolísticas os grandes desafios do seu clube, dissolvendo nos protestos e gargalhadas roucas todas as suas preocupações.

Concluo:

Tento ter presente que a felicidade pode e deve ser sempre alimentada. A rabugice de teimosias e feitios dá lugar à pronta discussão, sempre mais fácil que o apaziguar da calma e tolerância. Sendo inteligente (escusado será rirem-se desta absoluta e irrefutável certeza) percebo que o vazio se instala, pequenas lacunas tornam-se abismos e o olhar cândido e admirativo torna-se frio e distante. Ah pois é... não tenham dúvida alguma que o amor morre por dá cá aquela palha. Morre, morre! Pior é que se torna difícil fazer ressuscitar essa coisa maravilhosa que tanto desejamos.

Há lá sensação mais bela que a lânguida felicidade do desejo de partilhar os nossos mundos com alguém que nos ama e que amamos? Pela minha parte… estou disposta a vociferar contra as injustiças cometidas pelos árbitros contra o Sporting, disposta mesmo a fazer uma torcidita pelo mesmo (conquanto não jogue contra o meu clube – SLB… SLB…SLB… SLB SLB SLB... glorioso ... desculpem… entusiasmei-me, hihi). Só não sei se ele está disposto a ir à minha esteticista…

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