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09 outubro 2006

Pensamentos

Foto: de minha autoria




Viu-se encostada a uma ombreira, depois sentada no chão, por último a tentar localizar-se no espaço sideral. Olhou o teto da cozinha onde uma pequena aranha se deslocava. Sorriu. Noutros tempos o aspirador teria entrado em acção. Naquele momento… nem um sintoma de taquicardia se fez sentir, nem um gritinho abafado de “ai meu Deus, meu Deus”.

A música que colocara não fazia efeito e os picos de auto estima tocavam-se nos extremos.

O processo estava a ser doloroso. A capacidade de auto análise foi testada até às últimas e nem mesmo assim conseguiu perceber o que sentia, muito menos o que fazer.

Os meandros neurónicos eram mais que muitos e as sinapses nem sempre estabeleciam ligações racionais, faziam lembrar a confusão da bolsa num dia de crash.

Colocou o rosto entre as mãos. Tentou chorar… nada. Um vazio invadiu-a provocando-lhe náuseas. Lembrou-se da miséria, das inúmeras desgraças mundiais, do ouro do Vaticano, da ONU, dos EUA, do seu quintalinho… nada.

Olhou os ténis All Star que calçava e que tanto gostava e indagou-se se teriam sido made in Indonésia ou made in China. Para que dar-se ao trabalho de verificar se já os tinha calçados? Uma certeza chegou… rápida… a felicidade é feita de esquecimentos e de ignorâncias.

Levantou-se do chão da cozinha e barrou uma fatia de pão com doce de tomate. “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”… que raio, como terá conseguido Lavoisier dissociar os pensamentos da massa das matérias? Os átomos do pensamento não seriam matéria? Só porque impossíveis de pesar? Ora, tenham dó...

Sentou-se de novo no chão junto da bancada da cozinha e trincou de forma mecânica o pão. A música misturou-se ao sabor do doce. Comeu tudinho tudinho, excepto a misturada de pensamentos. Tal como a aranha… ficaria para depois ou talvez não.

A custo levantou-se, abriu a porta do quintal e saiu para a noite. As suas estrelinhas e a Lua aguardavam-na.

2 comentários:

Fio de Beque disse...

quando estiveres assim concentra-te apenas no sabor e na textura do doce de tomate. sei que parece bastante egoísta, mas às vezes estamos envolvidos em tanta merda que o melhor a fazer é tomar essa atitude momentaneamente... é também o mais fácil. realmente a ignorância é mesmo felicidade!!!

ManivelasdaMente disse...

Quem escreve assim, tem sempre um luar à sua espera. Mesmo que não o veja ou sinta.