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17 janeiro 2006

Coincidências


Na nossa fúria de viver, de encontrar o belo nas pequeninas coisas, de encontrarmos paz no simples respirar, tínhamos descoberto algo que toldava a nossa alegria: - o pânico, esse maldito horror que ambas descobrimos sentir e que, fruto de ansiedade, teimava em aparecer sem aviso, tanto nos angustiando.

De forma egoísta fiquei feliz por alguém, principalmente tu, sentir esses medos. Eu já não estava sozinha, minha querida amiga.

Um dia, em tua casa, mostraste-me um livro de escrita inglesa, onde vários tipos de pânicos eram explicados. Lembro-me que, qual caso perdido, hipocondríaca, me englobei em vários tipos.

Embora não sentisses pânico desde o nascimento de tua filhota, ajudaste-me a entender alguns motivos que me levavam a esses episódios surrealistas. Um deles, e mostravas-me o tal livro, era o medo que eu tinha de ser feliz. Tu também passaras por isso. O medo de ser feliz, imagine-se... Ambas tínhamos medo de ser felizes, por medo que a felicidade acabasse ou que no-la roubassem.

A identificação era perfeita. As duas sentíramos num ou outro momento da vida o abandono, a frieza a solidão. Ambas acreditávamos que iríamos vencer essa batalha, minimizando as cicatrizes que teimosamente sulcavam as nossas almas. Tínhamo-nos, podíamos contar uma com a outra.

Creio que quanto mais nos conhecíamos mais gostávamos de estar juntas e se nunca fizemos troca de sangue, como num ritual índio, foi porque tu nunca te lembraste de tal coisa. Ou fizemos?

E agora?... A tua partida deixou-me desanimada perdida. Não sei gritar ao mundo a tua perda, os gritos abafam-me a garganta numa inevitável bola imensa de amargura, tristeza e raiva. Sei que te lembro, mas ainda não separei a falta que me fazes, das lembranças que um dia foram reais e vivi contigo.

Quisera gritar a falta que me fazes, chorar toda a raiva e desespero... o alívio que encontraste não tapa o meu egoísmo, a minha saudade. Tenho medo do irremediável, tenho medo de nunca mais te ver e ouvir, tenho medo... porque adoeceste amiga? Porque me deixaste?

Lembras-te daquele poema maravilhoso cantado pela Alcione?

Por vezes canto-o:

“Silêncio!... Morreu um poeta no morro
Num velho barraco sem forro
Há cheiro de chuva no ar
Mas choro que tem bandolim e viola
Pois ele falou lá na escola
Que o samba não pode parar

Por isso, meu povo no seu desalento
Começa a cantar samba lento
Que é jeito da gente rezar
E dizer que a dor doeu
Que o poeta adormeceu
Como pássaro cantor
Quando vem o entardecer
Acho que nem é morrer

Silêncio!... mais um cavaquinho vadio
Ficou sem acordes vazio
Deixado num canto de um bar
Mas dizem ”_ Poeta que morre é semente.
De samba que vem de repente
E nasce se a gente cantar”


É um samba magoado que fortalece com a sua mensagem. Nele te revejo, minha amiga, deitada, em silêncio... que nem dormindo, enquanto eu, cavaquinho, vazia, tento cantar e nesse canto acordar-te.

Naquela horrenda e inacreditável tarde cinzenta e chuvosa, anestesiada, olhei-te nesse teu sono profundo. Vislumbrei uns fios dos teus cabelos espreitando por baixo de um véu branco e rendado. Ao contrário de alguns, não tive coragem, nem tão pouco curiosidade ou necessidade de o levantar, por mim e também por ti.

Tive vontade de te tocar, mas tive medo, aquela não eras tu, não podias ser e... no entanto... ali estavam uma série de pessoas que gostam de ti, uma quantidade de gente que te ama... e choravam!... Dentro de mim algo diz que é uma fantasia, um sonho, um pesadelo, que um dia eu vou acordar desta loucura e vou encontrar-te, à minha espera, com esse sorriso lindo e meigo, convidando-me para mais uma aventura das nossas... “_ Anda Teresocas... anda!...”, e eu vou, irei sempre, sempre!

Um dia, ao entrar em casa vou ter um telefonema teu a convidar-me para uma caminhada. Subiremos a serra bem até ao cimo e à beirinha daquelas rochas largas, enormes e convidativas vamo-nos deitar saboreando o sossego e o ruído das plantas, enquanto o nosso olhar repousará viajando pelas copas verdíssimas da imensa florestação.

A tua imagem estará sempre ligada à serra, guardada junto à minha imagem, as duas num rodopio constante que terá como refúgio o meu coração. Nele existem dois banquinhos onde nos sentamos, ora revivendo as nossas experiências, ora especulando sobre a humanidade e a sua complexa simplicidade, ora imaginando mais traquinices, mas rindo... rindo constantemente.

Amo-te minha amiga!

2 comentários:

Buteco da Esquina disse...

Muito bacana tudo o que vc escreveu...acho muito legal as pessoas se abrirem e expôr seus sentimentos.
Mais tem um detalhe, vc saberia me dizer de quem é autoria desse samba lindo, quem gravou, de que ano que é ou coisas do tipo???

Grato.
Alexandre Paião.


“Silêncio!... Morreu um poeta no morro
Num velho barraco sem forro
Há cheiro de chuva no ar
Mas choro que tem bandolim e viola
Pois ele falou lá na escola
Que o samba não pode parar

Por isso, meu povo no seu desalento
Começa a cantar samba lento
Que é jeito da gente rezar
E dizer que a dor doeu
Que o poeta adormeceu
Como pássaro cantor
Quando vem o entardecer
Acho que nem é morrer

Silêncio!... mais um cavaquinho vadio
Ficou sem acordes vazio
Deixado num canto de um bar
Mas dizem ”_ Poeta que morre é semente.
De samba que vem de repente
E nasce se a gente cantar”

a_ciganita disse...

Olá

Obrigada pelas palavras deixadas.

O poema sei-o de há muito, cantado por Alcione, mas não sei quem o escreveu. Tinha uma cassette gravada e procurei-a para tirar a letra.

Sei apenas que é lindo eque a voz de Alcione lhe dá um toque profundo, misto de tristeza e samba.

Mais uma vez obrigada

Teresa