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16 janeiro 2006

O Vizinho da Loja de Alcatifas

Tínhamos tanta sede de viver!

Ao lado da “nossa” loja havia uma outra de venda de alcatifas e produtos afins. O empregado era um rapaz que, aos nossos olhos, era bastante interessante. Não se justificava não o conhecermos, afinal éramos vizinhos. Estava decidido. Tínhamos urgência nesse conhecimento, mas como o faríamos? Ao fim de muitos dias de teatro, onde as realizadoras Teresa e Raquel praticaram sem resultado vários argumentos, tive uma inspiração. Essa inspiração foi lembrada durante anos e anos por ti, que teimavas sempre em contá-la nos nossos serões, em reunião com outros amigos, onde não faltavam o Pictionary, o Tabu e outros jogos.

O episódio foi muito simples e creio que fruto da necessidade de, mais uma vez, te espantar. Partiu de uma teimosia minha cujo prémio foi, como sempre, as tuas gargalhadas e como recompensa o meu contentamento.

Uma manhã, assegurei-te que falaríamos com o tal rapaz.

Decidida, peguei no telefone e pedi às informações, através da morada, o número da loja de alcatifas. Disse-te que seguisses os acontecimentos sem “dar bandeira”.

Marquei o número. O meu coração batia ao ritmo do teu, os dois ansiosos.

__ Estou!?...

Meu Deus... era ele... era ele... mesmo ele. As duas de orelhas coladas ao telefone, ouvíamos a sua voz.

__ Estou xim... – respondi eu, imitando o melhor que pude uma “voz de-lá-de-xima”, ainda por cima bastante esganiçada.

Tu tapavas a boca com a mão, numa vontade louca de rir. Eu... bem... de realizadora passava a actriz, uma actriz nervosa e também com muita vontade de rir.

__ O xenhor xeria capaz de chamar a menina Tereja? Ela eztá na loja de Bendagem, mas jeu... tenho muita urgênxia em falar cum ela, xó que num cunxigo...

Do outro lado o rapaz esforçou-se por perceber o que aquela mulher, que falava tão rápido e de forma tão aflita, com pronúncia de Viseu, pretendia. Finalmente, prontificou-se.

Apavoradas, mas sem o demonstrar, vimos o rapaz passar em frente da nossa vitrina e estacar bem na nossa porta. Tu não acreditavas no que vias e eu também não. Tínhamos conseguido. Ali estava ele a dirigir-se às duas. A figura recortava-se na claridade. Ele era uma autêntica aparição. De calças de ganga justa, bastante interessante. E a voz... a voz dirigia-se a nós... chegava até nós. Enquanto isso eu mantinha um monólogo ao telefone. Fingindo que não o via, nem tão pouco o ouvia. Desinteressada.

__ Teresa – interrompeste tu o meu monólogo tolo – Está alguém ao telefone na loja ao lado, para falar contigo.

Fingindo espanto, pedi ao ninguém que falava ao telefone comigo que aguardasse um instante e saí, acompanhada por... meu Deus, por ele. As minhas pernas tremiam de nervoso. Já na outra loja agarrei o telefone e falei contigo, colando o mais que pude o braço de telefone ao meu ouvido, com medo que ele se apercebesse das tuas gargalhadas.

__ O quê??? A menina está com febre?... Ó mulher leve-a ao médico, não perca tempo. – dizia eu.

Do outro lado tu continuavas a rir. Esse foi o meu melhor prémio. Tinha conseguido, mas mais do que isso, tu premiavas-me com as tuas excelentes gargalhadas fazendo-me sentir uma heroína.

Desliguei. Agradeci, sem justificações, e saí. Já longe da sua vista corri até ti, levando no rosto, bastante convencido, a marca da felicidade e da eterna glória.

As gargalhadas foram mais que muitas. Por vezes imagino se ele não terá desconfiado de algo. Mas... que interessa? Nesse e outros dias sempre que te lembravas rias. Era um riso que parecia surgir do nada, mas que me era dirigido, a mim, à importante Teresa. Que recompensa!

A partir daí foi fácil travar conhecimento com o nosso vizinho, que se nos revelou um lutador nato, numa vida complicada, com mais de um emprego. Gostávamos da sua simpatia, calma e seriedade. Respeitávamos os seus relatos, muitas vezes trocávamos livros de banda desenhada. Ele tinha a colecção do “Gaston la Gaffe” que trazia para nosso deleite.

Eternizaste esse jovem, hoje sem rosto, na minha lembrança.

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem não fica com vontade de ser um jovem, a vender alcatifas, na loja ali mesmo ao lado?