Tínhamos tanta sede de viver!
Ao lado da “nossa” loja havia uma outra de venda de alcatifas e produtos afins. O empregado era um rapaz que, aos nossos olhos, era bastante interessante. Não se justificava não o conhecermos, afinal éramos vizinhos. Estava decidido. Tínhamos urgência nesse conhecimento, mas como o faríamos? Ao fim de muitos dias de teatro, onde as realizadoras Teresa e Raquel praticaram sem resultado vários argumentos, tive uma inspiração. Essa inspiração foi lembrada durante anos e anos por ti, que teimavas sempre em contá-la nos nossos serões, em reunião com outros amigos, onde não faltavam o Pictionary, o Tabu e outros jogos.
O episódio foi muito simples e creio que fruto da necessidade de, mais uma vez, te espantar. Partiu de uma teimosia minha cujo prémio foi, como sempre, as tuas gargalhadas e como recompensa o meu contentamento.
Uma manhã, assegurei-te que falaríamos com o tal rapaz.
Decidida, peguei no telefone e pedi às informações, através da morada, o número da loja de alcatifas. Disse-te que seguisses os acontecimentos sem “dar bandeira”.
Marquei o número. O meu coração batia ao ritmo do teu, os dois ansiosos.
__ Estou!?...
Meu Deus... era ele... era ele... mesmo ele. As duas de orelhas coladas ao telefone, ouvíamos a sua voz.
__ Estou xim... – respondi eu, imitando o melhor que pude uma “voz de-lá-de-xima”, ainda por cima bastante esganiçada.
Tu tapavas a boca com a mão, numa vontade louca de rir. Eu... bem... de realizadora passava a actriz, uma actriz nervosa e também com muita vontade de rir.
__ O xenhor xeria capaz de chamar a menina Tereja? Ela eztá na loja de Bendagem, mas jeu... tenho muita urgênxia em falar cum ela, xó que num cunxigo...
Do outro lado o rapaz esforçou-se por perceber o que aquela mulher, que falava tão rápido e de forma tão aflita, com pronúncia de Viseu, pretendia. Finalmente, prontificou-se.
Apavoradas, mas sem o demonstrar, vimos o rapaz passar em frente da nossa vitrina e estacar bem na nossa porta. Tu não acreditavas no que vias e eu também não. Tínhamos conseguido. Ali estava ele a dirigir-se às duas. A figura recortava-se na claridade. Ele era uma autêntica aparição. De calças de ganga justa, bastante interessante. E a voz... a voz dirigia-se a nós... chegava até nós. Enquanto isso eu mantinha um monólogo ao telefone. Fingindo que não o via, nem tão pouco o ouvia. Desinteressada.
__ Teresa – interrompeste tu o meu monólogo tolo – Está alguém ao telefone na loja ao lado, para falar contigo.
Fingindo espanto, pedi ao ninguém que falava ao telefone comigo que aguardasse um instante e saí, acompanhada por... meu Deus, por ele. As minhas pernas tremiam de nervoso. Já na outra loja agarrei o telefone e falei contigo, colando o mais que pude o braço de telefone ao meu ouvido, com medo que ele se apercebesse das tuas gargalhadas.
__ O quê??? A menina está com febre?... Ó mulher leve-a ao médico, não perca tempo. – dizia eu.
Do outro lado tu continuavas a rir. Esse foi o meu melhor prémio. Tinha conseguido, mas mais do que isso, tu premiavas-me com as tuas excelentes gargalhadas fazendo-me sentir uma heroína.
Desliguei. Agradeci, sem justificações, e saí. Já longe da sua vista corri até ti, levando no rosto, bastante convencido, a marca da felicidade e da eterna glória.
As gargalhadas foram mais que muitas. Por vezes imagino se ele não terá desconfiado de algo. Mas... que interessa? Nesse e outros dias sempre que te lembravas rias. Era um riso que parecia surgir do nada, mas que me era dirigido, a mim, à importante Teresa. Que recompensa!
A partir daí foi fácil travar conhecimento com o nosso vizinho, que se nos revelou um lutador nato, numa vida complicada, com mais de um emprego. Gostávamos da sua simpatia, calma e seriedade. Respeitávamos os seus relatos, muitas vezes trocávamos livros de banda desenhada. Ele tinha a colecção do “Gaston la Gaffe” que trazia para nosso deleite.
Eternizaste esse jovem, hoje sem rosto, na minha lembrança.
Ao lado da “nossa” loja havia uma outra de venda de alcatifas e produtos afins. O empregado era um rapaz que, aos nossos olhos, era bastante interessante. Não se justificava não o conhecermos, afinal éramos vizinhos. Estava decidido. Tínhamos urgência nesse conhecimento, mas como o faríamos? Ao fim de muitos dias de teatro, onde as realizadoras Teresa e Raquel praticaram sem resultado vários argumentos, tive uma inspiração. Essa inspiração foi lembrada durante anos e anos por ti, que teimavas sempre em contá-la nos nossos serões, em reunião com outros amigos, onde não faltavam o Pictionary, o Tabu e outros jogos.
O episódio foi muito simples e creio que fruto da necessidade de, mais uma vez, te espantar. Partiu de uma teimosia minha cujo prémio foi, como sempre, as tuas gargalhadas e como recompensa o meu contentamento.
Uma manhã, assegurei-te que falaríamos com o tal rapaz.
Decidida, peguei no telefone e pedi às informações, através da morada, o número da loja de alcatifas. Disse-te que seguisses os acontecimentos sem “dar bandeira”.
Marquei o número. O meu coração batia ao ritmo do teu, os dois ansiosos.
__ Estou!?...
Meu Deus... era ele... era ele... mesmo ele. As duas de orelhas coladas ao telefone, ouvíamos a sua voz.
__ Estou xim... – respondi eu, imitando o melhor que pude uma “voz de-lá-de-xima”, ainda por cima bastante esganiçada.
Tu tapavas a boca com a mão, numa vontade louca de rir. Eu... bem... de realizadora passava a actriz, uma actriz nervosa e também com muita vontade de rir.
__ O xenhor xeria capaz de chamar a menina Tereja? Ela eztá na loja de Bendagem, mas jeu... tenho muita urgênxia em falar cum ela, xó que num cunxigo...
Do outro lado o rapaz esforçou-se por perceber o que aquela mulher, que falava tão rápido e de forma tão aflita, com pronúncia de Viseu, pretendia. Finalmente, prontificou-se.
Apavoradas, mas sem o demonstrar, vimos o rapaz passar em frente da nossa vitrina e estacar bem na nossa porta. Tu não acreditavas no que vias e eu também não. Tínhamos conseguido. Ali estava ele a dirigir-se às duas. A figura recortava-se na claridade. Ele era uma autêntica aparição. De calças de ganga justa, bastante interessante. E a voz... a voz dirigia-se a nós... chegava até nós. Enquanto isso eu mantinha um monólogo ao telefone. Fingindo que não o via, nem tão pouco o ouvia. Desinteressada.
__ Teresa – interrompeste tu o meu monólogo tolo – Está alguém ao telefone na loja ao lado, para falar contigo.
Fingindo espanto, pedi ao ninguém que falava ao telefone comigo que aguardasse um instante e saí, acompanhada por... meu Deus, por ele. As minhas pernas tremiam de nervoso. Já na outra loja agarrei o telefone e falei contigo, colando o mais que pude o braço de telefone ao meu ouvido, com medo que ele se apercebesse das tuas gargalhadas.
__ O quê??? A menina está com febre?... Ó mulher leve-a ao médico, não perca tempo. – dizia eu.
Do outro lado tu continuavas a rir. Esse foi o meu melhor prémio. Tinha conseguido, mas mais do que isso, tu premiavas-me com as tuas excelentes gargalhadas fazendo-me sentir uma heroína.
Desliguei. Agradeci, sem justificações, e saí. Já longe da sua vista corri até ti, levando no rosto, bastante convencido, a marca da felicidade e da eterna glória.
As gargalhadas foram mais que muitas. Por vezes imagino se ele não terá desconfiado de algo. Mas... que interessa? Nesse e outros dias sempre que te lembravas rias. Era um riso que parecia surgir do nada, mas que me era dirigido, a mim, à importante Teresa. Que recompensa!
A partir daí foi fácil travar conhecimento com o nosso vizinho, que se nos revelou um lutador nato, numa vida complicada, com mais de um emprego. Gostávamos da sua simpatia, calma e seriedade. Respeitávamos os seus relatos, muitas vezes trocávamos livros de banda desenhada. Ele tinha a colecção do “Gaston la Gaffe” que trazia para nosso deleite.
Eternizaste esse jovem, hoje sem rosto, na minha lembrança.
1 comentário:
Quem não fica com vontade de ser um jovem, a vender alcatifas, na loja ali mesmo ao lado?
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