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17 janeiro 2006

A Vida é Bela

Um dia, depois de fecharmos a loja, fomos ter com um primo teu que se encontrava em Lisboa, por uns tempos, em casa de um dos teus cunhados. Tinhas combinado com eles ir à Marconi buscar uma encomenda que a mãe do teu primo enviara do Norte.

Todos enfiados no carro, alegres
e jovens, lá fomos buscar a dita encomenda, ao som da música de Célia Cruz. Uma cassete que eu tinha gravado e que possuía envolventes ritmos cubanos, bastante alegres.

Já em Santos, estacionámos o carro em frente à Marconi. O teu primo e cunhado foram buscar a encomenda e nós, de música em altos berros, cantávamos encostadas uma à outra, balançando o carro com a nossa dança. De repente, do outro lado da rua, de mão esquerda elevada e mão direita apertando o estômago, tronco ligeiramente inclinado que rodava para um lado e para o outro, um mendigo dançava ao som da nossa música, ora dando uns passos à frente, ora dando outros para trás, num ritmo perfeito e cadenciado. Foi um momento mágico. Levantámos ainda mais o som, extasiadas. O mendigo parou por breves instantes, os suficientes para verificar o conteúdo de um caixote do lixo, logo reiniciando a sua dançante marcha.

Sentimo-nos tão felizes por aquele momento. As nossas almas dançaram com o mendigo. A nossa vontade foi a de abraçarmos aquele homem que demonstrando gostos musicais iguais aos nossos, dançava tão bem, sem olhar uma única vez para o local de onde surgia o som. Quiséramos ter uma varinha mágica com a qual fizéssemos retroceder o tempo até ao momento em que ele era um ser humano “digno”, e fazê-lo continuar uma vida melhor.

Sentimos necessidade de perceber... mas não sabíamos exactamente o quê. Tínhamos a certeza de que o certo e o errado se misturavam, confundindo-se e confundindo-nos de tal forma que sendo nós o ponto de partida do acontecimento, nos transformava em entusiasmadas e impotentes espectadoras, nada mais. Pensámos nos emaranhados caminhos que os seres humanos seguem e que, por vezes de forma inevitável, lhes tolda a liberdade... mas o que era a Liberdade para nós? O que era a Liberdade para aquele Homem?

A única certeza, certezinha é que nós tínhamos entrado na vida dele e ele na nossa. O homem afastou-se a magia ficou.

Saímos do carro e no passeio dançámos, imitando os trejeitos dele. Equilibrámo-nos nos lancis fingindo andar em cima de arame, como nos circos: "_ Cuidado Paquito... Cuidado". Os olhares dos outros nada nos diziam. Abraçámo-nos... um abraço dançante, de rabos empinados. Rodopiámos, ora para a esquerda, ora para a direita, desencontradas, enlaçando os braços... Queríamos ser livres que nem o mendigo. Nada mais importava.

De regresso ao carro, os nossos parceiros de tarde traziam um pacote enorme, pacote esse que decidimos abrir no Castelo de S. Jorge. Pelo cheiro que saía deste descobría-se um presunto que adivinhámos delicioso.

Nessa esplendorosa tarde, já dentro das ameias do castelo e à revelia dos guardas, abrimos o pacote. Dentro dele o esperado presunto, queijos, bolas de carne e outras iguarias. Abrimos uma garrafa de bom vinho e deliciámo-nos num convívio são, que decidimos continuar pela noite fora.

Jantámos no Bairro Alto e, mais tarde, visitámos uma discoteca da 24 de Julho. Tudo simples, somente com a sede imensa de viver, de trocarmos palavras, frases, opiniões e risos com outras pessoas que de alguma forma, dentro delas, trouxessem também essa necessidade de viver alegremente transmitindo alegria.

Foi um fim de tarde e noite espectaculares, mágicas.

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