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17 janeiro 2006

Você é Linda


VOCÊ É LINDA
Caetano Veloso (Brazil)
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Linda e sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer e diz
Você é linda mais que de mais
Você é linda sim
Onda do mar do amor que bateu em mim
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
A primeira vez que passei a noite fora de casa - mais propriamente casa da minha sogra - foi a teu pedido. Não hesitei, nem medi consequências, aceitei. O meu marido, percebeu perfeitamente. O teu marido, também não complicou.

Lá fui eu de trouxa aviada, entusiasmada, qual adolescente que aguarda ansiosa o sábado à noite para sair com os amigos. Tinhas-me feito a proposta, com aquela tua maneira doce envolvida de pequenos risinhos ansiosos.

_ Vá lá Teresocas... Só nós duas, sem homens. Vamos conversar, vamos?!

_ Vamos!! - respondi, entusiasmada.

E fomos!

O quanto nos divertimos ao som do piano - tocado pelo irmão do José Mário Branco. Relembro nitidamente a nossa alegria. Nunca tinha reparado que era bom voar. Nessa noite, inocentes, voámos no teu riso e no meu. Nas palermices, ditas em forma de banda desenhada, aligeirámos os nossos temores, os nossos descontentamentos. Não houve homens, ainda que tivessem tentado a aproximação, mas houve um olhar fatal que, sem hesitações, decidimos pertencer uma à outra, o que nos provocou imenso riso – o olhar de uma actriz de teatro e cinema. Desde logo nos perdemos em conjecturas levianas.

O som espalhava-se rápido pela sala pequena, revelando-se numa música tocada em jeito de bossa nova, que ficou para sempre no meu coração. Tu tinhas uma cassete com essa música, creio que cantada pelo Caetano Veloso... “Você é linda...” - dizia a canção. Tu estavas linda, eu sentia-me como tal. Essa canção será sempre tua, sempre!

Quando regressámos, fizemo-lo pela Avenida de Ceuta. A estrada tinha lombas de um lado e outro da faixa central, desencontradas. De imediato resolveste fazer o trajecto pisando o mínimo de lombas, enquanto fingíamos que éramos alvo de uma perseguição desenfreada de um “Al Capone” qualquer. Disparávamos os nossos dedos, como se armas fossem, baixávamos a cabeça evitando as balas que repetidamente silvavam mesmo por cima delas, tudo ao som aterrador e cinéfilo de “_ Cuidaaaaadoo...”, enquanto imaginávamos em voz alta o som dos vidros do carro a estilhaçarem, com os tiros de metralha do inimigo, até que, as lombas acabaram e com elas a velocidade, e a doidice de andarmos de um lado ao outro da estrada, e os disparos, e os gritos...

Restou o riso verdadeiro, o contentamento sincero de nos termos divertido. O espanto de, já tão crescidas, sermos tão pequeninas. Nada disso teria sido possível sem ti, mas acredito que tenhas pensado que só foi possível por minha causa.

Até casa fomos repetindo: “_Você é linda...”, inventámos letras engraçadas para a música. Relembrámos a noite, mais uma noite mágica feita de simplicidade e inocência, uma noite que colocou nos nossos olhos todas as suas estrelas.

Fiquei em tua casa, onde tu asseguravas que o teu marido decerto não dormiria enquanto não chegasses. Eu pensei se o mesmo aconteceria com o meu. Foi o meu momento triste e saudoso. Conversámos sobre isso. Tanto tu como eu acreditávamos que os homens eram muito estranhos.

No dia seguinte, na sala de refeições, sobre uma alva toalha de mesa – que contrastava com as nossas profundas e negras olheiras – colocámos leite, cacau, flocos, doces, geleias, pão, tostas, manteiga de amendoim... um infinito de coisas boas para a refeição mais importante das duas – o pequeno almoço. Refasteladas e insaciáveis deliciámo-nos.

Inevitavelmente, sempre que nos encontrávamos a conversa também versava sobre eles – os nossos homens. Tecíamos considerações e considerações... jamais soubemos o que fazer para que funcionasse uma relação. Por último, quando eu já estava separada e só, afirmavas com toda a convicção que os homens andavam cegos ao não me verem.

Quanto a mim, nunca consegui imaginar que alguém te pudesse fazer zangar, muito menos fazer sofrer uma pessoa tão maravilhosamente linda.

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