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11 janeiro 2006

A Fechadura




Cheia de entusiasmo e vontade de trabalhar em casa, fui um dia destes comprar uma fechadura bonitinha para o meu escritório. A escolha não foi fácil, mas sentia-me orgulhosa da empreitada que ia cometer.

Tentei inseri-la na sua respectiva toca e… que diabo, era maior que a dita cuja. Uma porta tão pacientemente pintada por mim, naaa… isto não fica assim.

Empunhada de formão, grosa, martelo e de tudo o que pudesse abrir um roço maior na porta (facas normais, do pão, do queijo, etc), lá abri um buraco maior, ainda assim a maldita entrou muito à pressão, mesmo à cacetada. Não funcionava muito bem, mas... cumpria a sua missão - abria e fechava a porta. Ficou como estava.

Ao fim de dois meses, esbaforida, a fechadura deita a sua língua para fora ficando com esta pendurada, inactiva.

De armas em punho, retiro-a da toca, preparo-me para a cirurgia.

A língua salta sempre, perante o meu ar desolado.

Tiro parafusos, ponho parafusos… monto-a, desmonto-a... Sentada no chão e de olhar atento, espreito bem as suas entranhas, analiso, faço cálculos, rodopio-a, abro e fecho-a, desespero-me, e ela sempre a deitar a língua de fora. “Queres guerra??? Ok. Vamos nessa!”

De martelo em punho coloco a lingueta à cacetada, eis senão quando salta uma mola que por pouco não me atinge um olho. Não vou de modas e mando-lhe uma chapada.

Solto imprecações, suo, mas não desisto. Mola pela frente, mola por detrás e… nada.

Sento-me de novo, olho-a bem, faço novas experiências, troco-me toda… a maldita... nada, impávida e serena teima em não funcionar. “Ainda não desistiiii!” grito-lhe e grunho de dentes cerrados. Novas marteladas, novos aparafusamentos. De esferográfica a segurar a lingueta contra uma das minhas pernas, fechadura na mão esquerda, chave de fendas na mão direita, testa na porta, corpo todo torcido e em força empurro-a. É desta – penso. “Ah ah, CONSEGUI!!!!!” - gritei-lhe rejubilante.

Fecho então de forma airosa, diria mesmo vaidosamente inchada, de ar altivo, vitorioso, a dita porta. Fechou, sem gemer, sem protestar. “É assim mesmo” - penso para comigo. “O que está a dar é não desistir”. Abro a porta… tento abrir a porta… puxo o manípulo com força… dou cacetadas… nadaaaaaaaa. A estúpida emperrou, não abre. Primeiro pensamento: ir à janela do escritório e gritar por socorro. “Calma, calma… muita calma” - digo para mim, tentando respirar compassadamente.

“Em última instância tiro as dobradiças da porta desencaixo-a e tiro a maldita ”. Pensamento feito, mãos à obra… as dobradiças estão escondidas entre a porta e as aduelas. “SOCORROOOOOOO, quero a minha mãe, meus irmãos, toda a gente”.

Sento-me de novo no chão, saco de um cigarro, fumo e penso.

Mais calma, munida de martelo e pano do pó, para não magoar a porta, dou-lhe tamanha martelada que a desgraçada não teve outro remédio que saltar, abrindo-se a porta. Espreito… e lá está a maldita de novo com a língua de fora. “Uf, safei-me de boa”.

Desmancho-a de novo, mais cálculos, mais aparafusadelas, parafusos tirados, molas a saltar e a sobrar (mas acho que não fazem lá falta alguma), monto-a de novo. Está perra. De bala em riste besunto-a todinha. Já responde. “Fixe, desta vez é que consegui. Deveria ser falta de óleo” - penso. Monto-a, sai de língua pronta, a desgraçada a gozar comigo. Tiro-a, dou-lhe nova chapada e mando-a para o lixo.
Cansei, vou comprar outra.

6 comentários:

Anónimo disse...

Mas será assim tão dificil o arranjo de uma fechadura?
Por momentos senti-me na árdua tarefa de a arranjar, e o mais engraçado... não é que a arranjei mesmo?! A boa escrita tem destas coisas... transporta-nos.
Gostei muito, continua... (não a arranjar fechaduras, mas sim a escrever)

a_ciganita disse...

Difícil??? Quase impossível, isso sim! Obrigada pelo comentário simpático e, sobretudo, pelo arranjo da fechadura.

Anónimo disse...

Já li e reli a tua história da fechadura não sei kuantas vezes e sabes k mais farto-me de rir até não poder mais.
Beijokitas kida cunhadinha

a_ciganita disse...

Pois... pois... ris pork não foi contigo. Beijitos cunhadita linda.

Anónimo disse...

Agora, que tive a sorte de conhecer esta Menina, ainda que virtualmente, por enquanto, já li de viés umas quantas das suas coisas mais recentes aqui colocadas.

Mas hoje, num intervalo que fiz questão de intercalar na minha intensa azáfama diária feita de compromissos, mandos e alguns desmandos, optei por começar a ler tudo o que aqui se encontra neste blog. É no princípio que devemos começar, não?

Assim sendo, fiquei maravilhado com o estilo da Teresinha (se é que posso chamá-la assim). Este post não é um texto: é um filme! De animação e tudo!

Como é possível que umas meras letras juntas, formando outras meras palavras, sejam capazes de nos fazer ver a malvada da fechadura possuidora de olhos matreiros e boca com um esgar desdenhoso?

chaveirohelp disse...

Parabéns pelo texto. Ótimo e agradável de se ler. Continue escrevendo, porém se precisar de consertar fechaduras acho que você vai ter de chamar um chaveiro. Se for em Brasília pode me chamar.